domingo, 19 de dezembro de 2010

A MORTE DO GOURMET

Autor : Muriel Barbery
Título original: Une Gourmandise*
Editora: Companhia das Letras

* Uma iguaria

O livro de Muriel Barbery é exatamente isso: uma "gourmandise" literária!

Crítico gastronômico, temido, aclamado, bajulado e odiado, o Gourmet está morrendo de tanto experimentar, analisar, saborear, criticar, elogiar e...comer, comer, comer os pratos da mais alta cozinha francesa e internacional. Entretanto agora, no leito de morte, tenta obliterar os últimos sabores refinados, em busca do seu paladar original, juvenil, virgem.
Em muitos capítulos ele nos fala dos devaneios, das lembranças, da gama de sensações com uma linguagem máscula, competente, veemente: delicia-se nos aromas, esconde ansiedades e camufla arrependimentos com alguma amargura, algum sarcasmo mas muitos, muitos, muitos sabores.
Logo na página 15 nos deparamos com 14 linhas em que ele parece condensar de uma vez todas as experiências com os ingredientes novos da cozinha asiática, e com outros, para muitos inusitados, para sermos depois brindados nas páginas 34, 35 e 36 com uma verdadeira ode à sardinha. Os relatos que ele faz daquelas sensações tem sabor, aroma e salivação. Em todo o livro os adjetivos que ele encontra para a descrição dos paladares experimentados e relembrados, tem uma coerência específica não somente com cada prato, mas também com cada ingrediente.
Muitas coisas inesperadas continuam aparecendo nessa autora revelação, jovem, surpreendente e eclética: Barbery se investe de muitos autores ao escrever esse livro singular. Ela alterna os capítulos de "autoria" do protagonista, com os de outras pessoas do seu entourage, como fossem depoimentos individuais, tanto que são todos escritos em primeira pessoa. Barbery tem a capacidade de atribuir àquelas pessoas voz própria como se fossem realmente escritos por elas: a autora some em favor de outros autores. Um estilo peculiar a cada personagem - a mulher, a filha, o médico, a empregada, os "chefs", os amigos...
O Gourmet atravessa sua vida, fase por fase, sabor por sabor em busca "daquele". Há um capítulo especial onde retoma as afinidades gastronômica com o cachorro Rhett, em que o "escritor" parece estar construindo uma ante-sala do sabor final que está procurando como seu último desejo; algo tão simples, tão execrado em outras épocas , tão longe da premiada cozinha de um Leclerc, tão democraticamente banal, inconfessavelmente vergonhoso...
Se Barbery nos surpreendeu no seu outro livro ("A elegância do ouriço") ao subverter o "lugar comum" de sua personagem principal, em "Gourmandise" ela nos garante grandes iguarias futuras.
Que a Editora fique de olho para nos servir em baixelas de prata as próximas fornadas.

2 comentários:

concha celestino disse...

Querida amiga,
Obrigada por nos brindar com essas resenhas tão saborosas!
Agora sei a quem recorrer quando precisar presentear um bom livro e estiver sem idéia, ou quando quiser ler algo novo. Basta abrir este seu lindo blog e está tudo lá.
Saudades,
Concha

Samia disse...

Acabei de ler esse livro.
Gostei muito dos seus comentários. Concordo com eles. Só um acréscimo. Você notou como o Gourmet se enganava com as pessoas em volta dele. Ele baseava as opiniões sobre elas em cima do que ele via, mas como todos nós, esqueceu que as pessoas geralmente se escondem. Me divertia quando descobria o que uma amante realmente pensava dele ou o que o sobrinho preferido achava ou ainda o ódio viceral dos filhos.