sexta-feira, 8 de abril de 2011

O PRIMEIRO QUE DISSE, Filme

Italia: 2010
Título Original: Mine Vaganti
Diretor: Ferzan Ozpetec

A tradução do título é o grande pecado da distribuidora, ou de quem por ela: fui assistir esperando uma comédia leve, inconsequente, quiçás escrachada como os italianos sabem fazer tão bem. Havia-lhe dado tão pouca importância na ordem dos filmes imperdíveis, que quase o perdi. É filme sério, de um cuidado tão esmerado que até a escolha da cidade onde foi rodado tem significado especial. Lecce é uma cidade relativamente pequena, antiga, provinciana, lá no calcanhar da Itália. Mas linda, cuidadíssima em suas majestosas construções barrocas. Se Florença, do outro lado dos Apeninos quase à beira do Tirreno, é desde sempre e para sempre Renascentista, Lecce, lá onde o Adriático re-distribui suas correntes, é uma Florença Barroca.

Não consegui chegar às origens da construção artística de uma cidade que, sendo ela basicamente produtora de tabaco, possam ter deixado um marco tão importante e duradouro de uma arquitetura que, justamente naquele canto do mundo, revelou-se a mais refinada do barroco por ser mais despojada. E é la que o modernismo de uma fábrica de massa, de renome internacional, convive com o provincianismo de seus proprietários e de seus habitantes. Tudo escorre entre carros de luxo sobre paralelepípedos. Tudo sobrevive orgulhosamente em mansões históricas onde uma matriarca divide vida, acomodações suntuosas, empregadas, conforto e mexericos com o filho mais velho que assumiu o comando material e moral da família. Tudo em cima de uma coleção de "Mine Vaganti" que podem explodir a qualquer momento, por qualquer descuido, numa fala, num mencionar. Num olhar. Por isso tudo é diagramado como exemplar, perfeito e respeitabilíssimo numa cidade onde todos se conhecem. E todos sabem. Ou todos crêem que todos sabem.

Aquelas minas móveis, aquelas que todos sabem existir, enterradas e camufladas, mas ninguém sabe exatamente onde e quando - e por quem - irão pelos ares. A introdução de personagens e cenas divertidas, suaviza o diálogo entre autor e espectadores, de forma a preparar a plateia, de braços abertos, à condescendência. Uma reconstrução cuidadosa de como se vive na perfeição sem tê-la e de como - e a que custo - será possível começar a abrir-lhe brechas, rachadura, remendos. Sem perder a unidade. A escolha de um jovem ator, Riccardo Scamarcio, que não precisa abrir a boca para transmitir sentimentos, é um dos grandes trunfos do diretor. Todos os outros interpretes vestiram sua personagem de forma tão subcutânea que será impossível imaginá-los em outros papeis. Sei que uma resenha implicaria numa apresentação da história, mesmo que de forma superficial. Então que essa não seja uma resenha, mas só uma convocação. É filme para ser visto, ser examinado de perto, concentrando-se nos pequenos detalhes: na sombra a mais do canto do jardim, no reflexo obliquo de um espelho. E nos movimentos delicados, mas eloquentes, das mãos da mocinha que convidam qualquer escultor a sair voando para comprar um metro cúbico de travertino.

Um comentário:

Sandra Schamas disse...

Bruna, como sempre seu comentário é impecável. Interpretação subcutânea? Só vc mesmo para encontrar palavras tão precisas. Gostei tanto que me deu ate vontade de ver o filme de novo.