quinta-feira, 8 de setembro de 2011

UM SONHO DE AMOR - RESENHA

Título Original: Io sono l'amore
Produção: Itália 2009
Direção: Luca Guadagnino
Cast: Tilda Swinton, Flavio Parenti, Edoardo Gabriellini

Há tempos não se via tanta suntuosidade. Se esse filme fosse uma mulher, o termo apropriado, e insubstituível, seria “allure” que não tem a ver nem com classe, nem com elegância, e muito menos com sensualidade, apesar de ostentar também todos esses adjetivos. “Allure” tem a ver com “porte”, com “presença física”, com “comportamento”, com “tempo e maneira de caminhar”. Longe do luxo dos filmes históricos, onde a pesquisa do mobiliário e vestuário está mais do que documentada, o diretor Guadagnino fez uma devassa nos hábitos, na altivez e no isolamento social dos magnatas não só Italianos mas Europeus, mesmo que todos já à beira da globalização. Trouxe a tona a tacanharia encrustada nas tradições do “nome”, tacanharia não como apego ao dinheiro mas como limitação, reserva de espírito.
Talvez tenha sido esse o conceito do título original do filme “Io sono l'amore” , “Eu sou o amor”. Num contexto em que no amor, antes regulamentado numa organização sólida de tradições já aceitas e digeridas, uma mulher da-se o luxo da transgressão. O interessante é que o inicio dessa debandada surge – sutilmente, quase aromaticamente – de lembranças de sabores de que essa mulher abdicou a cerca de trinta anos, adotando outro paladar. Parece um filme de gastronomia? Não, não é, mas ela é presente desde o inicio, no preparo esmerado, cuidadoso, impecável de um jantar em honra do patriarca da família. É naquela sequencia que começam a transpirar, como já a crítica especializada reconheceu, os ares inconfundíveis de um Luchino Visconti: os panoramas silenciosos, os longos momentos de câmara estática, os detalhes primorosos dos interiores, o requinte das pessoas que parecem flutuar na tela.
Entretanto Guadagnino ampliou sua fonte Viscontiana para detalhes quase imperceptíveis que sua câmara parece roubar, por frações de segundos, até dos olhos do espectador: num instante fugaz ela sobrevoa a vastidão do saguão da mansão e enquadra, do alto, a figura da protagonista reduzindo-lhe o tamanho. É aí a apresentação do espírito dessa mulher: altiva e já confortável no ambiente que domina, é porém cerceada em seus vôos na direção de muitos lugares, de poucas recordações. Lembranças e saudades quase esquecidas. Em outro momento, e numa paisagem bucólica, a câmara clica o tropeçar de uma abelha numa giesta, o que obriga a mulher a desviar o rosto.
Aliás o contraste entre a sisudez de Milão e as floradas de San Remo, parece desvelar o roteiro romântico dessa mulher que saiu do cinza da Rússia para as cores da Itália, descobrindo-as somente quando tropeça no amor. Ela, a mulher, se transforma no Amor. E ele, o amor, semeado durante pequenas experimentações culinária na mansão da família, explode na natureza acolhedora, de relva limpa, das colinas mediterrâneas. De relva limpa: não há vestígio de sujidade no Amor.
Frequentemente é a movimentação - ou a inércia - dos personagens que conta as últimas evoluções do drama. Há detalhes que são reveladores por um único gesto: quando o jovem amante começa a livrar o corpo da mulher de suas vestimentas e de suas jóias, ele está despindo-lhe a identidade, em contraponto à ação do marido que em noites de festa, a veste das jóias de família.
Houve sim, pequenos detalhes desnecessários: a imagem que a mulher visualiza da filha beijando a amiga, quando por fotos (não mostradas) e pelo tom do diálogo mesmo que não esplícito, o lesbianismo da moça já estava definido. Entretanto, a declaração da mulher ao marido, articulada nas claras palavras : “Eu amo Antônio”, foi necessária para a redefinição de sua identidade. A reação do marido em despi-la do próprio casaco é também, mais uma vez, o despimento definitivo de uma identidade já rejeitada.
Certamente um filme de autor. Uma gama de atores de primeira linha e uma atriz impecavelmente segura, fizeram o resto.

Um comentário:

concha celestino disse...

Depois de ler este texto inspirado, não posso deixar de ver o filme.
Sua paixão pelo cinema é evidente em cada linha.
Bj.,
Concha