sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

TRAJAR, Hoje

Tem um rosto tão bonito esse garoto.
Garoto? Não, seguramente uns vinte oito, trinta anos. Mora em algum andar acima do meu: está já no elevador quando desço e, se por acaso voltamos juntos, eu antes dele. Cumprimenta sempre, assim, sem abrir a boca, um leve sinal da cabeça, um sorriso apenas,  apenas esboçado, mas com as pontas laterais curvadas para cima, portanto jeito alegre. 

Apesar de sempre estar de terno, gravata e pasta profissional, é rebuscadamente moderno,  cabelo quase raspado, mas com uma espécie de crina rígida, feito crista de galo, que ele controla com o rabo do olho no vasto espelho do elevador, às vezes corrigindo-lhe uns fios. E sempre calçando tênis dos mais variados modelos e cores. Estranha combinação, não é, mas assim mesmo lhe confere uma classe inesperada; parece um requinte incoerente, entretanto é justamente isso que, depois da primeira surpresa, cria uma espécie de admiração.
O que faz com que um jovem advogado, funcionário público, de escritório, ou bancário - quem anda engravatado hoje em dia?... - possa sentir-se arrumado sem usar sapatos convencionais? Não deve ser por economia levando em consideração o preço dos tênis e a ampla coleção do rapaz. Jovem demais para cuidar de incômodos joanetes. Disfarçadamente já caminhei propositalmente atrás dele para ver se por acaso tinha algum defeito, mas ele parece pisar corretamente e com segurança.
Sinto-me uma verdadeira intrigante bisbilhotando as esquisitices alheias, entretanto não considero meu vizinho esquisito. Ou estou me comportando como a avestruz do zoológico que, através do vidro do carro, olha direto para nós como uma velha curiosa admirando algo desconhecido?
É, isso aí.  Sou a velha curiosa que admira um hábito desconhecido. Preciso perguntar à minha sobrinha neta que tem trinta anos: ela seguramente desvendará o mistério e vai rir de mim...







Um comentário:

Daniel Babalin disse...
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