RESENHA DO FILME
Sorte minha: anteontem passou na televisão e o re-vi com muito interesse pois, fazia algum tempo, vinha pensando nesse filme já velho de quase vinte anos (ou mais?) . Já não tenho na memória grandes detalhes da ficha técnica, mas a maioria de minhas reações e daquilo que mais me marcou, havia ficado.
O filme não envelheceu. Eu, público, amadureci. A fotografia, bem escolhida nas tomadas, continua de má qualidade. O acompanhamento musical, continua lamentável: o silêncio tera sido mais eloquente, já que o filme realmente é um gritante grande silêncio ...
Mas hoje posso aceitar que o filme seja tão primário quanto sua personagem título. E se esta primariedade, como a vejo agora e como espero tenha sido concebida, foi intencional, aplausos para Suzana Amaral.
Primeiro, por que a diretora soube de imediato que Marcélia Cataxo já nascera Macabéa. Marcélia é a insignificância personificada: rosto, corpo, mãos de joão-ninguém, tudo nela é impessoal. Lembra os atores do neo-realismo italiano, todos desconhecidos, todos intérpretes de um filme só. Se Cataxo seguiu sua carreira de atriz depois de Macabéa, não sei. Se sim, espero que tenha-se transformado radicalmente e que hoje ninguém mais reconheça nela a eterna Macabéa.
Segundo por que Suzana Amaral fez dela a personagem padrão com todos os requintes pictóricos exteriores e interiores, ao gosto de sua inefável criadora, Clarice Lispector.
Macabéa é feiosa, desengonçada, constrangedoramente tímida, e ao mesmo tempo cheia de sonhos imediatistas: ao sentir-se observada, já imagina ter feito uma conquista. Simplória e ignorante é ao mesmo tempo sedenta de um "conhecer" de que ela desconhece o significado.
Emigrante numa São Paulo periférica e cinzenta, deslumbra-se com o mêtro, com os elevados e até com jardins decadentes onde fotógrafos ambulantes fornecem roupas a seus clientes para que sejam retradados "decentemente vestidos". Clientes esses, todos Macabeos e Macabéas como ela.
Uma Macabéa que consegue emprego num depósito onde gatos saboreiam os ratos ao mesmo tempo que ela roe seu cachorro quente, lambusando seu trabalho de datilografia.
É lá onde aprende de uma colega para lá de desinibida a mentir em próprio benefício mas entra
sempre com um eterno pedido de desculpas por qualquer coisa que peça, faça ou consiga.
Sua lista de palávras difíceis que ouve na Rádio-relógio, é fonte de perguntas que coloca a um Olímpicus, smplório, desengonçado e ignorante como ela, que porém se posiciona num patamar de "já evoluido", vislumbrando riqueza na política. O discurso dele ao pé de uma estátua do Ipiranga é a sintese das ambições de muitos, haja visto a aprovação da única espectadora alí presente, outra velha Macabéa.
Uma das perguntas mais patéticas e tocantes : "Ser feliz, serve pra que?"
Ela descobre a resposta nas predições mentirosas e ilusórias de uma vidente oportunista, que a levam à transformação exterior, num vestido azul, ricamente chinfrim, cabelo solto, e seu primeiro sorriso. Correr à procura de um hipotético principe azul, em ruas repentinamente arborizadas, em bairros que nunca conhecerá, é sua despedida da vida.
Atropelada, no chão de uma esquina, numa posição, minha cara Suzana Amaral, pouquíssimo plausível e para lá de improvável.
Que bom que vi de novo. E fiquei, mais uma vez comovida. Tem em DVD?
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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