Autor: David Lodge
Título original: Deaf Sentence 2008
Tradução: Guilherme da Silva Braga
Editora: L&PM - 2010
Ao folhear o livro o leitor pode assustar-se. Páginas maciças de escrita compácta, às vezes inteiras sem quebra de parágrafos. Uma densidade gráfica bastante incomum entre os escritores contemporâneos que já nos acostumaram a uma leitura ágil de frases e parágrafos curtos. Lodge é um daqueles escritores ingleses que mantém a descrição detalhada tanto de lugares como de personagens e acontecimentos. Mas nem por isso o leitor perde o interesse, muito pelo contrário. Apesar de ser apresentando como um romance, num primeiro momento seu título leva a crer tratar-se de um compêndio sobre os mal-entendidos de conversas entre surdos, especialmente pelo trocadilho do nome Deaf Sentence/Death Sentence - o que não deixa de ser compreensível, para quem é surdo, considerar o defeito como falência e morte da convivência. O autor se esmera em procurar frases facilmente irreconheciveis e deturpadas pelo ouvidos defeituosos. Auxiliado por um excelente tradutor que conseguiu - e não deve ter sido fácil - trazer para o nosso idioma, situações eficazes com um fraseado muito realista, o livro é, afinal, bem prazeroso. Para quem esperava que fosse um livro só dedicado aos percalços da surdez, é uma grande surpresa. O personagem principal é um professor universitário que resolve aposentar-se antes da hora, justamente por não mais poder escutar e entender alunos e discussões durante as aulas. Entre diversas situações delicadas no meio universitário que ainda frequenta, e a lida com uma segunda esposa empresária, com os filhos do primeiro casamento e com os netos, ainda assiste o velho pai que, além de ter também ficado surdo, começa a apresentar graves sinais de senilidade. Diálogos e cenas com ele são imperdíveis de bem cuidadas, cheias de momentos nostálgicos e frequentemente de humor. É nessas situações que Lodge transforma, com muita graça e sabedoria, o homem de letras um tanto irritadiço por sua deficiência, num ser humano mais "macio", mais compreensivo, mais aceitante de suas limitações e das dos outros, começando a divertir-se até nas aulas de leitura labial antes apenas toleradas para agradar a mulher. Lodge escreveu o livro em primeira pessoa, entretanto em alguns capítulos - ou parte deles - sem mais nem menos avisa candidamente o leitor de seu ímpeto irresistível de passar a relatar certos fatos em terceira pessoa. Com a mesma simplicidade volta à terceira pessoa sem prejuizo da continuidade e da coerencia. Ele usa essa alternência com um ar realista e crítico. Nessas ocasiões é que me perguntei se Lodge também seria surdo como sua personagem. E como eu. Vale levar esse livro nas férias para, quando cansados das andanças do dia, queremos algo bom e leve antes de dormir. Mas atenção: qualquer descuido e estaremos varando a noite.
2 comentários:
Bruna, o comentário vai em local deslocado, mas preciso dizer que adorei a carta de amor que escreveu como exercício do "Projeto Escrevivendo":você é minha autora favorita! Beijos da Karen Kipnis
Obrigada Karen pelo seu comentário, foi obedecendo a ele que resolvir publicar a carta no blog...
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