terça-feira, 5 de abril de 2011

UMA CARTA DE AMOR


Augusto, meu bem.

Gosto desse nosso sexo ao despertar. Hoje, porém, não te acompanhei correndo ao chuveiro. Estou imóvel, joelhos quase no queixo, olhos fechados. O cheiro azulado da tua loção passou por mim e teu dedo indicador percorreu o desenho de minhas sobrancelhas a caminho da saída do nosso quarto. Fiquei entre os lençois, ainda úmida de você, numa posição estranha e aconchegante, com a sensação de um calor desconhecido, renovado. Sim, por que foi um gesto novo. Uma coisa tão insignificante...sempre foi assim oufoi só hoje que notei? Tenho ainda teu polegar apertando a base do meu ombro esquerdo, enquanto minha axila abriga a curvatura do indicador, teus outros dedos esparramados às minhas costas. Me dei conta desse novo toque num momento em que, surpreendentemente, me senti arrastada para dentro de você, como se você estivesse me engolindo para sempre. Quando você sai de mim, você também sente que está me levando dentro do seu corpo?

Hoje eu mesma vou fazer a cama: não saberia como esquivar-me do olhar da Rosa perante tantas evidências. E as crianças?Ainda vão me ver se eu fui embora dentro de você? Como vou ajudá-las a fazer a lição de casa sem inserir nos seus cadernos as frases molhadas desta carta que não vou escrever... Queria muito que você, à noite, me perguntasse o que eu fiz o dia inteiro. Responderia que passei o dia fazendo mil coisas enquanto te escrevia essa carta que não vou escrever. Pois para mim é difícil falar, dizer em viva voz, tudo que eu sei escrever tão bem, quando não escrevo...

Um comentário:

Samia disse...

Oi, Bruna,
Você retirou os parágrafos do seu texto e ele ficou bem mais poético, mais íntimo, como se saísse da cabeça dela sem muita análise.
É muito sensual porque foi uma relação sexual que continuou com a personagem muito tempo depois do ato. Mudou um dia que era para ser comum daquele casal.
Minha frase preferida é a final "Pois para mim é difícil falar - dizer em viva voz - tudo que eu sei escrever tão bem, quando não escrevo...