terça-feira, 23 de agosto de 2011

A ÁRVORE DA VIDA -- Resenha

Filme: USA 2011
Título original: The tree of life
Direção: Terrence Malick
Cast: B.Pitt, H.McCracken, Jessica Chastain, Sean Penn

Um “must”. Tão bom assim? Não: rebuscado, pedante, pretensioso.
Mas lindo.
Tivesse ficado no retrato da uma família americana na tranquilidade de Waco,- cidadezinha texana pacata e silenciosa como as margens serenas do rio Brazos quase na Louisiana, - teria sido mais um filme imperdível de Terrence Malik. Imperdível pelo retrato cuidadoso e profundo de todas as personagens, tudo visto pelos olhos – e alma – do narrador, o mais velho dos três filhos do casal.
Ex oficial da marinha, e agora engenheiro de uma fábrica interiorana, o pai começa exteriorizando um amor quase visceral pelos filhos bebês, evoluindo aos poucos para uma irremovível atitude autoritária que cerceia a evolução deles tanto na infância como na adolescência. Um Brad Pitt, tenso, contraído; transforma-se em homem sisudo e até feio, mandíbulas retesadas e salientes, olhos baixos, quase perdidos. Sua aridez convincente enquadra a infelicidade de quem sabe estar caminhando para o abismo da inutilidade profissional,o que eventualmente o levará a sentir-se diminuído perante os filhos. E não adianta esbanjar familiaridade e amor pela música de que ele pretende ter sido afastado pela guerra; música cujo amor tenta inocular ao filho como servindo-se de um pacto de paz que não soube criar como pai, entre ordens inapeláveis e abraços tão veementes que parecem pedidos de perdão.
Mas Terrence Malik não ficou no retrato de família, quis aventurar-se na difícil tarefa de dar forma, movimento e som à criação do mundo; e dar paz, silêncios e serena felicidade ao epílogo. E extrapolou: na primeira, longa, volumosa e barulhenta demais, - apesar de imagens primorosas e da bem selecionada trilha sonora - pôs a dura prova a paciência do espectador. Na segunda, longa, lenta, estática demais, recorreu às personagens, depois da vida, procurando-se em desérticos canyons e, depois,reencontrando-se,reconhecendo-se e abraçando-se felizes no lugar comum de paisagens calvas e brancas como nuvens. Na criação do mundo, poderia ter-se limitado à demonstração pictórica (maravilhosa na intenção inicial) de mucosas e membranas surgidas na fecundação, gestação e nascimento, como exaltação do eterno propósito no inicio daquela família. No fim, a solidão do filho adulto, no rosto de um soberbo Sean Penn teria sido mais impactante: a herança árida da transgressão paterna. Mas afinal, qual a razão nesse filme de introduzir criação do mundo e epilogo de vida?
Todavia o diretor soube servir-se de uma gama de atores cujas interpretações resultaram firmes, bem construídas, definitivas. Brad Pitt: aí está um ator que, de menino bonito aos poucos veio amadurecendo para personagens difíceis, trabalhando dura e conscientemente a caminho de uma profundidade que firmou “in his own wright and right*”. Sua maturidade o instigou à co-produção desse filme quase perfeito. Jessica Chastain, atriz quase desconhecida, nos traz uma mãe cuja presença nina a harmonia entre os meninos, mantendo-os unidos ao abrigo dos predadores, sem economizar-lhes jovialidade. Sean Penn, cujas interpretações, às vezes intencionalmente exageradas, conseguem assim mesmo marcar cenas inesquecíveis, tem aqui poucas aparições na personagem do filho-narrador já adulto. Mas mais uma vez espanta com uma interpretação absolutamente convincente e arrebatadora, sem emitir uma única palavra.
Lembro de ter presenciado, em um desses festivais do mundo dos espetáculos, a reedição da entrevista com um dos monstros sagrados de outrora, - seria Lawrence Olivier? - que disse algo como: “O teatro é dos atores, o cinema dos diretores e a televisão do resíduo”.
Saí da sala com a certeza de que às vezes o cinema é também, e mais, dos atores.

*a sutileza entre wright (entalhe em madeira) e right (direito). Wright é termo comum no teatro para definir o ator como "artesão",escultor de personagens.

Um comentário:

concha celestino disse...

Texto lindo, impecável, leitura super sensível do filme. Cada dia você me surpreende mais, Bruna!
Concha