sábado, 7 de dezembro de 2013

ENXADRISTAS

Meus caros leitores: este é um conto capcioso. Não troquei os nomes por engano, simplesmente dei voz aos sonhos frustrados de homens que, assim mesmo, são capazes de  admirar outro sem rancores, apesar de não ter conseguido emulá-lo em suas especialidades. Não precisam gostar deste conto.Eu o amo.


-…E com vocês nosso mais novo e mais ilustre cidadão honorário, João Carlos Pontes!.
Sobe os poucos degraus do pódio com desenvoltura e ainda com alguma agilidade apesar dos setenta e alguns...
-Obrigado, obrigado a todos por estarem aqui, obrigado mesmo. Estou orgulhoso, comovido e muito, muito feliz. O novo Parque da Cidade, que acabei de concluir, é justamente minha homenagem a este lindo Rio de Janeiro que me acolheu ainda estudante, vindo de uma obscura aldeia do interior de...

Seu olhar percorre o imenso salão, mesas brancas cobertas de flores, cristais, gravatas borboletas, diamantes e sorrisos, todos virados para ele. Meu Deus! No fim, os aplausos que já não o intimidam como antigamente. Agradece sorrindo mais uma vez, outra vez, dez vezes e desce a juntar-se à família: filhos, netos, noras, genro.
-Amanhã de manhã vamos todos passar o fim de semana lá na casa de Corrêias, ...
-Pai, você sabe que não posso: tenho que voltar já para Hamburgo. Segunda recomeçam minhas aulas na faculdade, ainda tenho dois anos de contrato e o reitor não perdoaria. Lá certas coisas não se fazem...
-Vô, se você é tão famoso assim, você ainda pode ganhar um premio Nobel?
-Olha Fredy, lá na Suécia ainda não criaram premio para arquitetura, nem para o Frank Gehry....
-E quem é esse...o quê...?
-Deixa pra lá...Um dia seu pai leva você a Bilbao...
-Meu filho, seu avô não precisa mais de prêmios: ele já conseguiu realizar todos seus projetos, todos seus sonhos, não é pai?
-Olha, até que sim...mas há sempre que criar mais uma meta na vida para ter a força de seguir com o mesmo entusiasmo. Eu já consegui quase tudo sim, mas ainda vou dar um xeque-mate naquele cara. Um gênio no xadrez: ainda não consegui ganhar dele nem uma vez.
-Quem é?
-Um conhecido, foi até colega meu na faculdade. Jogo com ele lá na Atlântica com a Bolívar quase todos os sábados de manhã. Um grupo de aposentados super divertidos...Pare de mexer nos copos menino, olha lá...
A garrafa de champanhe tomba na mesa, uma taça entorna levando dezenas de outras em efeito dominó. Garçons correndo, barulhos de vidros a tilintar por toda parte... a tilintar, tilintar...tilintar...


Tilintar...tilintar...Rola da cama, chinelos no pé, corre ao telefone, e atende:
-Pontes!
Olha surpreso o fone preto na mão esquerda, a ponta de um cordão no punho direito: pênis espremido no vidro do console, as pernas do pijama despencadas sobre o peito dos pés.
-O que é, Chicão?
Escuta, sacode a cabeça, olha entediado para a gravura na parede entre as duas arandelas e suspira:
-Nada disso Chicão, altura da janela e cor das paredes vai ter que esperar até segunda-feira. Chego mais ou menos dez horas, e aí eu resolvo.
Umas sacudidelas e tira os pés daqueles emaranhados.
-Para quê fui aceitar a reforma do apartamento do Freitas. Eu já estava aposentado, precisava?
Água gelada enquanto a cafeteira burbureja. Uma chuveirada, bermudas, camiseta, havaianas e o boné amarelo da sorte para proteger a careca incipiente: o sol está ainda morno para ser já um dia de verão, mas daqui a pouco... A barba fica para depois.
Algumas esquinas, uns “alôs” para conhecidos das redondezas e lá está a amendoeira, abobada acolhedora, grande, generosa; algumas folhas, já com ar caramelado, fingem frescor.
-Olha aí o Pontes finalmente chegando!
-Ué, estou atrasado?
Os outros caem na gargalhada. Pestana ri mais alto enquanto fala:
- Que nada, hoje você vai ter que jogar xadrez com um de nós!
- Por quê? O Bulhões não vem?
- Pois é, ele acabou de passar por aqui. Queria saber se podia deixar a partida de hoje para a semana que vem. Veio tanta gente de fora para a comemoração que acabou levando um filho para o aeroporto e o resto da tropa diretamente a Corrêias para o fim de semana. Como é que você foi faltar à festa em homenagem ao Bulhões? Justo ele que te considera tanto...”
A brisa do mar chega a Pontes, assim, meio oleosa, já perfumada de bronzeadores, de loções; tudo cheiro de mulher. Tranquilo, distribui calmamente as peças no tabuleiro, as palmas parecem acariciar o tampo de pedra, retirando a poeira ainda meio pegajosa da umidade noturna.
Pestana insiste:
- Ah, o Bulhões falou mais: que vá você se preparando porque, na semana que vem, ele vai ganhar de você!
Torre e rainha apertados no punho da mão esquerda, a cabeça do rei entre dois dedos da direita, Pontes levanta a cabeça.
- Ele falou?
- Falou sim, e estava muito alegre. Bacana um cara desses, rico, famoso, brincar com a gente de vez em quando... E que família, viu? Três filhos espalhados pelo mundo, noras, genro, sete netos, já pensou?
O olhar de Pontes perde-se um momento entre os raios que penetram a amendoeira e os que vibram das vidraças ensolaradas do prédio ao lado.
- O Bulhões que venha ganhar de mim, que venha...
Pestana hesita, franze a testa e solta finalmente a pergunta:
- Oh Pontes, como é que tu nunca se casou...

























Nenhum comentário: