terça-feira, 5 de maio de 2009

DIREITOS E ABUSOS. E O BOM SENSO? ...

CRÔNICA


Nunca foi tão fácil comprar. Cheques, cheque especial, cartões de crédito, internet, débito automático; mil e umas prestações, mil e umas facilidades. A propaganda direta é tão bem praticada que candidatos a alguma coisa se instalam em nossos computadores, e até em nossos telefones, de tal maneira que enquanto não terminarem a mensagem não adianta nem desligar, pois a linha fica presa. Ligamos a televisão e recebemos dentro de nossa casa dezenas de aliciamentos. Atendemos ao telefone e sempre tem alguém querendo nos vender alguma coisa. Comprem, comprem, comprem.
Já há algum tempo precisava comprar uma impressora para o meu “laptop”, mas não havia como dispensar certas despesas fixas, importantes, inadiáveis. Ontem finalmente, após mil contas e verificações, abracadabra: posso dar-me esse luxo!
Entrei na loja disposta e voltar para casa carregando a caixa de papelão: não tenho mais carro mas da loja até minha casa seria um passeio prazeroso trazer para minha prateleira, finalmente, a comodidade que me permitiria eliminar minhas idas à mais próxima “lan-house'', carregando meu “pen-drive” para imprimir meus trabalhos. Levei algum tempo para escolher algo que estivesse dentro de minha disponibilidade financeira, e que eu fosse capaz de operar com alguma facilidade visto que seria minha primeira impressora. Na minha idade não tenho a habilidade dos garotos de 8, 10 anos que sabem fazer isso antes de saber declinar corretamente o verbo “assoar”. Já repararam quantos adultos ainda não sabem?...
O rapaz que me atendeu e meu ajudou na escolha: um amor de atencioso, prestativo, competente. Acompanhou-me até um dos caixas carregando a finalmente MINHA IMPRESSORA. Sorridente, abro a bolsa e tiro meu talão de cheques: pagamento à vista com um pequeno desconto de 2%.
Enquanto a moça coloca habilmente o volume em uma enorme sacola (ela aprendeu não colocar a “coisa” na sacola, mas a sacola na “coisa”, como fosse um capuz), sorri para mim e, com a naturalidade de quem o faz centenas de vezes por dia, há meses e- quem sabe – há anos, recita:
--Identidade, cpf, comprovante de residência.
Pensei não ter entendido direito:
-- Identidade, cpf e o quê?
A resposta confirma que, apesar de minha surdez, meus aparelhos auditivos ainda funcionam bem:
--Comprovante de residência.
Tive que segurar meu queixo com a palma da mão: um absurdo! Mandei chamar o gerente.
--Por favor, qual a lei que lhe permite exigir um comprovante de residência,além
dos documentos regulamentares?
--A Senhora tem que entender que...
--Desculpe: não quero entender as suas razões por exigir-me comprovante de residência;
mas saber qual é a lei, o regulamento, ou portaria que lhe autoriza fazer-me essa exigência.
--Não sei se tem tudo disso, mas eu estou cumprindo ordens da firma.
--Quer dizer que a próxima vez que vier fazer compras aqui, eu devo supor que, quem sabe, o senhor poderá exigir-me o original da escritura de compra do meu apartamento?
Silêncio. Insisto:
--Quando o senhor sai de casa costuma carregar consigo uma conta da Eletropaulo, da
Congas ou da Telefonica?
Surpresa no olhar do moço enquanto balbucia:
--Não senhora.

Saio feliz SEM a impressora, convencida de que outras lojas seguramente aceitariam – como aceitaram - o cheque (modestos duzentos reais) de uma velha senhora apenas mediante as identificações de praxe.
À noite convidei uma amiga para festejar minha aquisição. O gerente do restaurante, veio ao nosso encontro, sugeriu a melhor mesa disponível; na hora de pagar a conta, preenchi meu cheque e quando quis apresentar minha identidade, com um gesto elegante e um sorriso, ele a dispensou. Se meu cheque resultasse sem fundos, ninguém mais poderia confiscar os pratos de alta gastronomia, e muito menos os dois “Kir Royale”, consumidos como aperitivo.
Mas minha impressora está aqui, em perfeito estado, à disposição de quem tivesse que exigi-la legalmente por inadimplência.

Um comentário:

Sandra Schamas disse...

Bruna, minha amiga. Como é que você ainda não tem uma coluna na Folha ou no Estadão!
bedjo
san