quinta-feira, 28 de maio de 2009

VENUSES ou BOTTICELLI x WARHAOL

A Vénus colorida, cabelos ao vento, mesto olhar para o infinito, imagem repetida, e repetida, e repetida através dos espelhos que também refletem a luz, muita luz, todas as luzes feéricas do salão. Numa única parede, uma só Vénus: a de fundo violeta que realça o mecheado quase invisível tão na moda desde as “luzes” de Vidal Sassoon. Aquele violeta pastoso que combina – melhor do que a Vénus de fundo azul claro - com o turquesa das poltronas giratórias, com o verde água dos aventais das manicures, com o laqueado ocre das bancadas.
Como são despojados esses modernos: não tem mais os dourados nem os veludos da época em que me penduravam, casta, branca, ascética e intocável, nos salões onde minha nudez acariciada por minhas próprias mãos, contrastava com as lingeries pretas detrás dos biombos, escondendo volúpias e transgressões.
Aqui, nem pareço eu. Essas mulheres com madeixas arrumadas, são mais magras, usam roupas, tem cabelinhos curtos feito franjas irregulares sobre os olhos; será fácil afastá-los com um sopro do canto da boca? E olha essa mulher estonteante que entra agora, esguia, altera, cheia de si, émula de rainhas, dona completa do espaço.
Não aguarda recepcionista, senta na frente de um espelho, relaxada: sabe que Alexandre correrá até ela. E ele vem, olha para ela no espelho e, sorriso afetado, investiga:
--É hoje o grande dia?
--É.
--Que roupa vai usar?
--A roupa não tem nenhuma importância, o cabelo sim.
Silenciosa surpresa.
--É, é o cabelo: quero solto, desorganizado, emaranhado, muito.....assim como se eu acabasse de
sair de uma cama depois de umas horas de amor bem louco.
Alexandre agora suspira, escova em riste, mão deslumbrada:
--Meu bem, você vai a um casamento, não a uma sessão de fotos!
É aí que Verônica monta um sorriso modesto, mas com saboroso olhar de cumplicidade arremata:
--Quem sabe assim alguém vai perceber com quem o noivo passa certas tardes...
Há um empalidecimento progressivo do violeta nas refrações repetidas nos espelhos, mas
Verônica sabe que é impossível um poster piscar.

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