HOJE HELGA JANTA COMIGO.
Esse texto de 2008 entra pela primeira vez no
meu blog em homenagem a ela. É o prato que vou
fazer para ela experimentar e ela tem os mesmos
27 anos que minha filha tinha quando eu exumei
a receita de meus arquivos sensoriais. As duas,
Helga e minha filha Andrea, são pessoas muito especiais.
Ohiyo é uma japonesa dos seus cinquenta anos, cuja banca de feira frequento há muito tempo. Ela traz sempre pouca quantidade de cada tipo de verduras, só verduras, mas tudo é fresquinho, limpo e bem arrumado. Como bonus entre as várias tonalidades de verde, seu sorriso acolhedor. Quando me vê, sua primeira pergunta é sempre a mesma: "Hoje vai querer tomates sentados?" Tudo isto desde quando notou que -nem sempre mas bastante frequentemente - eu selecionava os tomates colocando-os, um de cada vez, na palma bem esticada de minha mão. Até o dia em que ela não aguentou e perguntou a razão. Expliquei:
"Quando compro tomates para fazê-los recheados eles precisam ser maduros mas firmes e, o mais importante, é que eles devem poder ficar bem sentados".
Ela perdeu o sorriso e arregalou os olhos:
"Como é?"
Descrevi:
"Quando os coloco na assadeira, eles devem sentar bem, estar bem equilibrados se não o recheio cai durante o cozimento. Por isso eles devem ser redondos mas com a parte inferior ligeiramente achatada. Aqueles ovais nunca ficam em pé: só servem para saladas ou molhos".
Agora ela sempre tem uma meia duzia que guarda para mim e nunca fica chateada se, justo naquele dia, eu não preciso de tomate nenhum. Mas quase sempre os compro, mesmo se para outros fins, e ela sempre agradece sorrindo, sem desconfiar.
Voltando para casa com minha cestinha cheia fico calculando se fazer os tomates recheados só para mim ou convidar alguém. Se fizer só para mim penso feliz que não precisarei fazer almoço por dois dias pois esse prato, mesmo frio, sempre aguça minha gulodice; se quero convidar alguém preciso escolher quem: ou quem já conheça e aprecie, ou quem possa ser apresentado com sucesso a esse prato que é único em todos os sentidos. Único por dispensar carnes, peixes e outras proteinas - mas frio serve maravilhosamente bem, no verão, para acompanhar rosbifes - e único por não comparecer nos menus de restaurantes de nenhum tipo, cinco estrela, cantina, trattoria, buffet ou "peso".
Para a crônica: após tê-la esquecido durante muito tempo, desenterrei a receita de minha memória por ocasião do festejo de um aniversário muito especial: o meu é por volta de duas semanas antes do de minha filha e, naquele ano, quando ela completaria 27 anos eu estaria com exatamente o dobro da idade dela e ela com a metade da minha. Um aniversário único na vida das duas. Os "tomates sentados" foram muito festejados no meio de saladas estranhas como a de champignon crus com maionese de mango chutney, a de laranja fatiada com azeitonas pretas e a de folhas verdes temperada com um molho quente de bacon frito e crocante. Por muito tempo havia acreditado que fosse uma receita de família muito exclusiva, mas nas minhas andanças pelo mundo andei descobrindo a presença dos "tomates sentados" em praticamente todos os paises mediterrâneos, principalmente nas aldeias a beira mar, e como comida essencialmente caseira. Sempre porém com pequenas substituições de tempero: na Italia, orégano; na Grécia, açafrão; na Turquia e Libano zátar; no Marrocos, endro; na Espanha, raspa de limão; na França o "pistou" que nada mais é que manjericão. Até em Malta, que por quase duzentos anos amargou a influência da insossa cozinha inglesa, descobri uma bodega em que os proprietários espanhois tinham o prato como especialidade da casa.
"Tomates sentados" é o nome que surgiu de minhas conversas com Ohiyo, mas na minha familia sempre foi "Pomodori Ripieni" ou seja, puros e simples tomades recheados. Quando se especifica o "do que" é que as pessoas se assustam pois ninguém acredita que arroz CRU possa cozinhar dentro do tomate, no forno.
Para fazer o prato para o jantar de hoje, ontem tive que ir à feira onde Ohiyo tem banca em outra rua da que normalmente frequento. Ela me olhou assustada.
"Oh, hoje não trouxe os tomades sentados".
Sorri:
"Não faz mal, eu mesma escolho. Mas você pode escolher para mim a melhor rúcula precoce e os espinafres mais tenros".
Ainda bastante triste ela insistiu: "Ah, se eu soubesse....." e surpreendentemente acrescentou:
"O que eu não faço para uma freguesa como você?"
Não sei o que deu em mim, mas me ouvi retrucar:
"Você faz tudo por mim, mas sempre se recusa a vender-me as ramas do nabo, sem o nabo".
Ela abaixou a cabeça, olhos envergonhados:
"Desculpe, já expliquei. Se corto as folhas, ninguém vai comprar o nabo nu".
Quase caí na gargalhada: ainda não tinha descoberto que ela tinha sentido de humor.
Ohiyo sabe que nabos sem ramas amargam em pouco tempo. E sabe que seis nabos são muita coisa mesmo para uma família grande. Mas não tem idéia que as ramas de seis nabos dão um prato fabuloso só suficiente para duas pessoas gulosas como eu.
Bem, mas isso já seria outra receita.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
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3 comentários:
Hummm, deu vontade experimentar os tomats sentados... Me passa a receita depois. Beijos!!
Amigos são a família que a gente escolhe, que o destino nos presenteia e certamente são, as melhores companhias para se dividir uma boa comida e uma noite cheia de histórias! Adorei os tomates. Adoro você! Obrigada por tudo!
Grande beijo
Helga
Bruna querida,
Também gosto de tomates recheados! Será que fazemos o mesmo recheio?Jantar não digo, por causa das crianças, mas um almoço com tomates sentado seria delícia, não? Afinal aquele chafé acabou não saindo... Precisamos nos reencontrar! Gosto demais de você; por que será que a gente se afasta de pessoas que nos fazem bem? Daria um outro ensaio isso.
Beijo gigante de quem te quer bem, mesmo ausente.
Ellen
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