segunda-feira, 22 de novembro de 2010

ENFIM, VIDA

Para Cecilia: a serenidade em pessoa...


--Gosto muito de você, Martha, como uma irmã...
--Então, André, por favor, não me dê mais carona quando me vê no ponto do ônibus; não me chame mais para consultar textos de arquitetura; não queira me levar para casa na saída da faculdade...nunca poderia ser sua irmã...

Pé no chão, engolindo em seco. Eu sabia da Júlia, a namorada já de muito tempo do André. Até considerava-me melhor que ela em muitas coisas, mas não tinha por que agredir-me, anular-me, esperar mais.
Havia aprendido com André a amar o mar e a vencer-lhe o medo; havia descoberto nele um homem aplicado, eficiente (...quem consegue trocar linda e limpamente um pneu em poucos minutos e ainda com um sorriso radioso?...); atencioso, sociável, generoso (...distribuir aos colegas de turma, com carinhoso tom de brincadeira, uns ovinhos despretenciosos junto com um abraço e votos de Boa Páscoa...); e quem esbanja na praia tamanho corpaço com tanta simplicidade e modéstica como fosse um atleta invisível?...
Quantas vezes havia-me arrependido de ter cortado o contato para não sofrer. Quantas vezes havia esperado que ele se reaproximasse dando-me uma chance de conquistá-lo... Muitos meses e um sonho a ponto de ser jogado numa gaveta junto com as bijuterias passadas de moda.
Bastou um telefonema.
Aí é que a memória esconde-se nas águas mornas e placidas de um lago tão azul, tão sempre iluminado, que o arco-iris passou a ser paisagem permanente.
Parece uma história tão simples, tão corriqueira. O sonho dourado de todo sonho de amor: conseguir e conquistar para sempre aquele que havíamos considerado inatingível, perdido.

E agora, a caminho de nossa casa de praia, parados na estrada, com meu menorzinho no colo, dou um jeito de acariciar, no banco traseiro, a cabecinha morena de Tomás e, na reconstrução de uma cena longinqua mas ainda viva e vibrante, lhe digo:
"Vai lá Tomasinho, vai ver como um homem bacana como o papai consegue trocar um pneu sorrindo e quase sem sujar as mãos..."
Ele vai e eu fico: a outra metade da família confiante.
À noite estaremos todos em casa, só com o barulho do mar e o chiado da espuma contra o casco do barquinho.
Amanhã é dia de catar conchas, de fazer castelos de areia, de aprender a remar.
De viver.

2 comentários:

maría cecilia fernández uhart disse...

Querida Bruna,

Obrigada por este presente, ter minha história de amor transcrita e transpassada por tua lente. Amei. Sem contar o dom de pitonisa, adivinhando o nome de meu filho.

bjs,

Cecilia

Anônimo disse...

Bruna,
estou com os olhos cheios de lágrima. Cheguei tarde na aula e não havia lido seu texto ainda.
Encantador!

um beijo grande,

Raquel