Para ela, eu era uma completa desconhecida, de vez em quando me olhava sem ver-me. Mas ela não era desconhecida para mim: os movimentos macios de sua cabeça a transformá-la em pintura; a mesma maciez de suas mãos a criar luminosidade; seu olhar imperceptivelmente obliquo e estático como na cuidadosa reprodução de uma madonna de Filippino Lippi*. Mas lá estava ela, emitindo serenidade. Fui lá, no fim da reunião, perguntar-lhe o nome. Ela disse e eu esqueci.
Dele nem investiguei o nome: fiquei observando seus dedos apaixonados pela máquina em suas mãos: seus dedos a deflorar imagens, seus meio-sorrisos a cada click. Mas o brilho de seus olhos a defender sua arte, me indicaram a certeza, dele, de que ela, a foto-arte, ainda de fraldas, ainda em idade de balbuciar para o grande público, está sim no bom caminho para ficar. Será que ele já teria uma moça de costas, cabelos e echarpe ao vento, olhando-se numa vitrina sem revelar-lhe o semblante, para ilustrar meu "Brios"?
Camila -moderníssima imagem de poros a jorrar a intensidade irreprimível pelo bebé que criou - sorriu sempre como alguém que, chegado ao pico ventoso, tira gorro e viseira para respirar a paisagem. Fernando Carneiro, de velhos rascunhos relidos - e nem sempre aprovados - com sua pacatez de sábio; um Carlos carioca de contos de amor perdido mas ainda ansiado; um Fábio de positivíssimo olhar quase material, que não era o Martinez (cadê ele...) a criar imagens económicas em sua devastadora simplicidade. Os Escritores Mundanos tem obrigação de ser pra lá de bons para abraçarem-se dentro de um invólucro tão classudo. É para isso que lá está a Tânia, imagem esguia de opulento conteúdo selecionando qualidades. E uma Helga, já implacavelmente à beira de um trampolim entre justiça e dramaturgia.
Até Sandra - tão só convidada quanto eu - esbanjou entusiasmo: mulher-guerreira, veio, generosa, a oferecer suas horas contadas de laser, suas noites brancas de árduo trabalho, suas diárias parêntesis familiares, para mergulhar de cabeça no Mundo Mundano de um mundo idealista e pródigo de planos.
Muitos outros ainda não identificados. Quanto pode-se conhecer em poucas horas de uma primeira anamnése social? No meio de livros, estantes e mesas de manuseios coloridos, de aviõezinhos que, de cima, olham para a ribalta, (quem inventou que livraria deva ter pendurucalhos do teto?...), os holofotes vão se apagando empurrando a companhia do proscênio à plateia, e dela à calçada da rua.
E lá está o Mundo Mundano, transformado, só aparentemente, num mundo menos mundano do que o Mundano de tantos e bons. Só aparentemente: improvável é despir-se dele.
E eu? O que eu estou fazendo aqui, de volta à minha casa, embevecida e hesitante? Embevecida por ter atravessado um rio de murmúrio acolhedor. Hesitante e excitada pela dádiva de um "pertencer" novo.
Sic Transit Gloria Mundi ...Bem-vindos ao meu mundo.
* Filippino Lippi, 1457-1504
4 comentários:
Que lindo!! Fiquei emocionada. Não tenho nem palavras. Obrigada por tudo, pelo carinho, pela amizade, pela ternura. Sou muito feliz por ter a honra de ter uma amiga tão especial como você. Beijocas.
Ah, vou colocar no site!!! rs
Obrigada Bruna, por ter visto em mim o lampejo de algo que há muito não sei o que é. Me mostra que há ainda algum lugar em que me sinta plena, calma e a salvo das tempestades que caminham em minha direção. Da Madonna de Lippi
Cara Bruna, fiquei extremamente emocionada com cada palavra. Palavras de uma mulher sábia e, sem dúvida, observadora. Vc faz parte desse mundo. É um pedaço dele e ele inteiro. Tudo ao mesmo tempo.
A Mundo Mundano está mais feliz do que nunca por conseguir juntar pensamentos tão diferentes e iguais ao mesmo tempo.
Sinta-se em casa!
Postar um comentário