AMOR
E DESAMOR
“Há
quem ama, quem ama muito, quem ama mais.
E quem ama melhor”.
Jean Cocteau (1889-1963?)
poeta, escritor, cineasta, dramaturgo e cenarista francês.
Para
Jean Marais, ator.
Foi como uma tempestade, poucos minutos de um frenético agitar
de corpos, de curtos suspiros projetados ao teto, uma procura quase
raivosa de alcançar o nada. Depois, o silêncio. Ela, imóvel,
olhos fechados na penumbra do quarto. Ele acaricia os cachos morenos
da mulher e volta a chegar-se a ela num sussurro: “Você vê? Nós
nos amamos, ainda nos amamos....”
Sua mão desce pela face, e sua palma descansa no travesseiro
dela. Está úmido. Seus dedos correm de novo para o rosto dela e
agora ele sabe. Num súbito apoiar-se no cotovelo, volta a olhá-la
diretamente, face a face: “Você está chorando...”
Olhos fechados, no abandono dos ombros, a resposta dela se perde
antes de alcançar o silêncio. Ele insiste: “ Por quê? Por
quê...?”, e quase não reconhece a voz que lhe diz: “ É só
isto que nos resta...”
Calmamente ela alcança a beira da colcha, que recolhe em volta
dos ombros, lentos passos na direção da lareira; o esperma que lhe
desce pelas pernas nunca havia-lhe incomodado: cheiro de terra
molhada por chuva de verão, cheiro de semeadura, sempre o sentiu
assim. Como as outras mulheres o identificam? Hoje esqueceu.
Sentou-se no tapete, testa sobre os joelhos, o resto do rosto
dentro da escuridão da coberta: os olhos, agora abertos, mal
percebem o contorno de seu próprio corpo nu encolhido em si mesmo.
Sentia as faíscas da lareira soltar pequenos estampidos quebrando o
silêncio, pesado, aterrador. Levantou o rosto. Per
cebeu a chegada
do homem; agora sentado bem em frente a ela, de costas para aquela
janela retangular, sem cortinas, que se projetava para dentro do
jardim. Nu, pés planta contra planta, joelhos afastados, pênis
deitado no tapete, ombros tremendo.
Ela continua olhando, bem acima do rosto dele, a nevasca que
silenciosamente esbranquiça as vidraças.
“Você sabe, faltam só duas semanas para terminar a gravação,
mais uns poucos dias para o lançamento do disco e depois vamos para
casa. Prometo” .
Aquele tremor dos ombros: era sempre assim quando ele sentia
mágoa, incerteza, dúvidas, gesto incontido como fosse uma
pergunta dirigida diretamente a ela: “O que eu faço agora?...”
Ela volta a esconder o rosto dentro da coberta. Sabe que as mãos
dele estarão desenhando no ar, como quando dirige a orquestra, todos
os argumentos e suas paixões, todas as promessas e suas paixões,
todas as reivindicações e suas paixões...
“Quando voltarmos vou pedir emprestado o barco do meu irmão e
vamos passar uns dias na ilha.”
Uma pausa.
“Podemos até casar, depois de tanto tempo, afinal...Quer
casar?”
Só o crepitar do resto da lenha entre as cinzas rosadas.
“Mas, por quê? Por que, o que foi? O que é que acabou? Não
pode ser..”
Ela tem toda a munição para aquele adeus, mas prefere ser
desarmada. Sentada ainda ao lado da lareira, com os olhos fixos nos
arbustos do jardim, sente seu ombro e seu braço congelarem contra as
vidraças, como se ela realmente estivesse encostada lá,
procurando os rododendros azulados que só voltariam a brotar na
primavera.
O que dizer, como dizer?... Como fazê-lo entender?...O silêncio
basta?
O sótão. As malas no sótão. Amanhã....
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