quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

AMOR E DESAMOR


AMOR E DESAMOR
Há quem ama, quem ama muito, quem ama mais.
E quem ama melhor”. 
Jean Cocteau (1889-1963?) poeta, escritor, cineasta, dramaturgo e cenarista francês.
Para Jean Marais, ator.

Foi como uma tempestade, poucos minutos de um frenético agitar de corpos, de curtos suspiros projetados ao teto, uma procura quase raivosa de alcançar o nada. Depois, o silêncio. Ela, imóvel, olhos fechados na penumbra do quarto. Ele acaricia os cachos morenos da mulher e volta a chegar-se a ela num sussurro: “Você vê? Nós nos amamos, ainda nos amamos....”
Sua mão desce pela face, e sua palma descansa no travesseiro dela. Está úmido. Seus dedos correm de novo para o rosto dela e agora ele sabe. Num súbito apoiar-se no cotovelo, volta a olhá-la diretamente, face a face: “Você está chorando...”
Olhos fechados, no abandono dos ombros, a resposta dela se perde antes de alcançar o silêncio. Ele insiste: “ Por quê? Por quê...?”, e quase não reconhece a voz que lhe diz: “ É só isto que nos resta...”
Calmamente ela alcança a beira da colcha, que recolhe em volta dos ombros, lentos passos na direção da lareira; o esperma que lhe desce pelas pernas nunca havia-lhe incomodado: cheiro de terra molhada por chuva de verão, cheiro de semeadura, sempre o sentiu assim. Como as outras mulheres o identificam? Hoje esqueceu.
Sentou-se no tapete, testa sobre os joelhos, o resto do rosto dentro da escuridão da coberta: os olhos, agora abertos, mal percebem o contorno de seu próprio corpo nu encolhido em si mesmo. Sentia as faíscas da lareira soltar pequenos estampidos quebrando o silêncio, pesado, aterrador. Levantou o rosto. Per
cebeu a chegada do homem; agora sentado bem em frente a ela, de costas para aquela janela retangular, sem cortinas, que se projetava para dentro do jardim. Nu, pés planta contra planta, joelhos afastados, pênis deitado no tapete, ombros tremendo.
Ela continua olhando, bem acima do rosto dele, a nevasca que silenciosamente esbranquiça as vidraças.
“Você sabe, faltam só duas semanas para terminar a gravação, mais uns poucos dias para o lançamento do disco e depois vamos para casa. Prometo” .
Aquele tremor dos ombros: era sempre assim quando ele sentia mágoa, incerteza, dúvidas, gesto incontido como fosse uma pergunta dirigida diretamente a ela: “O que eu faço agora?...”
Ela volta a esconder o rosto dentro da coberta. Sabe que as mãos dele estarão desenhando no ar, como quando dirige a orquestra, todos os argumentos e suas paixões, todas as promessas e suas paixões, todas as reivindicações e suas paixões...
“Quando voltarmos vou pedir emprestado o barco do meu irmão e vamos passar uns dias na ilha.”
Uma pausa.
“Podemos até casar, depois de tanto tempo, afinal...Quer casar?”
Só o crepitar do resto da lenha entre as cinzas rosadas.
“Mas, por quê? Por que, o que foi? O que é que acabou? Não pode ser..”
Ela tem toda a munição para aquele adeus, mas prefere ser desarmada. Sentada ainda ao lado da lareira, com os olhos fixos nos arbustos do jardim, sente seu ombro e seu braço congelarem contra as vidraças, como se ela realmente estivesse encostada lá, procurando os rododendros azulados que só voltariam a brotar na primavera.
O que dizer, como dizer?... Como fazê-lo entender?...O silêncio basta?
O sótão. As malas no sótão. Amanhã....

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