segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A LINHA AMARELA

.......afinal, como é que ela é.....


Um bebé aos primeiros pasos. Um único trecho. Imperdível.
Foi já à sua entrada, na Rua da Consolação, que minhas antenas se aguçaram. Estava às portas de uma descoberta monumental: saguão belíssimo na sua simplicidade, amplo, claro, concreto a vista, revestimentos de qualidade, aços reluzentes, tudo imponente. Perfeito. Um pé direito altíssimo, detalhes inesperados em alturas aparentemente inúteis, sugerem previsão para ulterioridades.
Um jovem guarda vem ao meu encontro, atencioso de minha canície. Gentilmente recuso o elevador a que ele quer me acompanhar: estou alí para conhecer, perambular. Ele insiste em me apontar, pelo menos, um parapeito no centro do saguão de onde se descortinam os pisos inferiores e depois me mostra o caminho para a descida. Cinco lances de escadas rolantes, bilhetes registrados eletronicamente, vidros temperados que se separam para abrir-me o passo.
Observo detalhes da engenharia arquitetonicamente alçada a obra de arte. Minimalista sim, mas impactante.
Durante a descida, a todos os níveis, posso observar as tubulações de sustentação que, pela posição e acabamento, por suas porcas, parafusos e roscas sextavadas, sugerem à minha ignorância que sirvam também como conduítes para fiações diversas. Talvez.
Ao chegar à plataforma, poucas pessoas à espera, o que facilita a observação dos revestimentos das paredes e de parte dos túneis, com a mesma qualidade e o mesmo bom gosto.
Quase de surpresa e sem estardalhaço, chega o trem. Ao entrar descubro, no vidro de suas portas, minha expressão de contentamento: o inesperado - ah! tão bonito - está desfilando à minha frente. O meu olhar se perde num vagão imenso, longo, ininterrupto e articulado que serpenteia sobre os trilhos com um ruído quase imperceptível. O desenho panorâmico das janelas, o branco leitoso dos bancos que parecem jorrar de tiras de aço escovado como pasta dental de uma bisnaga; os tecidos de revestimento dos assentos com suas cores amalgamadas num tweed de textura acolhedora mas sólida; o suave cinza dos biombos de vidro; um toque de amarelo vibrante aqui e ali. Lindo.
Na tranquilidade do curto trajeto em fase experimental, poucas pessoas, muito espaço vazio para observações minuciosas. Esse longo vagão inteiriço é mais alto e mais largo do que os corriqueiros; vai facilitar a movimentação interna; vai eliminar, pelo menos visualmente, o aperto das horas do rush.
E, lindo como é, vai inspirar o povo ao respeito. É interessante observar como, já nas outras linhas de metrô, as mesmas pessoas que jogariam pelas calçadas e pelas ruas os papeis dos sorvetes que acabam de sugar, o maço de cigarro vazio, as migalhas de biscoitos que roeram a caminho do trabalho, dentro do metrô, guardam aqueles detritos no bolso ou em sacolinhas para depositar nas lixeiras disponíveis às saídas. E é isto que faz com que o metrô paulista esteja entre os mais limpos do mundo! Se os nossos trens, de todas as outras linhas já inspiram os usuários ao comportamento desejável em todos os lugares públicos como se fossem suas próprias casas, seguramente a linha amarela contribuirá ainda mais a abrir o caminho definitivo para o civismo coletivo.
Minha ida e volta Paulista-Faria Lima-Paulista, pareceu rápida demais. Ao sair de novo na Rua da Consolação, mas do outro lado da rua, o barulho da vida me engoliu. Fui para casa a pé, ansiosa por chegar e colocar essa experiência gratificante no papel e no blog. Mas durante o trajeto continuei tão invadida por avalanches de sensações que elas também foram parar aí mesmo, em baixo deste texto, com o título "O OCASO".


PS: enquanto a linha amarela está assim,
com um único trecho para conhecer,
vale lembrar o horário de funcionamento:
das 9 às 15, e só em dias de semana...
......e obrigada ao meu amigo Bené,
por ter-me falado dela,
instigando-me a conhecê-la

Um comentário:

Benedito Deíta disse...

Passos sentidos em marcação que flui. Coreografia que nada tem de descrição fria, mas também não piégas. Que desfila sobre todos os detalhes a querer tanto ir além, mas sem se perder do que lhe é próprio. Reverencia mas não se ufana por isso. Será que só a canície é necessária para isso? Se for,oba! Em parte já a tenho.