sexta-feira, 20 de agosto de 2010

SOBRE LIVROS E LEITURAS

Já não me importo de ser criticada por não guardar livros. Considero que ler bem uma boa leitura é como tomar um remédio indispensável e, na maioria das vezes de gosto agradável. O organismo o absorbe e tira todo o proveito dele para sempre. Depois disso já não terá importância se a senhora Bovary se chamava Emma ou se o anti-heroi de Dostojewsky foi Piotr ou Istvan, visto que só me lembro do sobrenome Raskolnikov. Em setenta e seis anos de vida tomei muito remédio eficaz - a prova é que ainda estou viva - e não preciso guardar as embalagens. Mas tenho alguns livros na minha estante sim, muito especiais por alguma razão que frequentemente não lembro.
Tenho, por exemplo, livros escritos ou dados por colegas e amigos:
-"Um traço, um ponto, um poema, um conto" da minha querida Sandra Schamas. Uma confissão corajosa e bem humorada tão cuidadosamente elaborada que prosas e poemas se cruzam quase que dançando entre desenhos também de sua autoria.
-"Poemas errados, dias tranquilos" do André Al.Braga que pouco aparece nos cursos mas cujos escritos são sempre reveladores.
"Mosaico" - uma coletânea poética onde há um poema imperdível (Alfarrábios), do pouco assíduo mas surpreendente colega Luiz Antônio de Britto, poema esse que - vejam só - fala de livros.
-"O cavaleiro inexistente" do Italo Calvino, presente inesperado e comovedor do colega Benedito de Oliveira Santos Jr., excelente escritor cujos textos ainda mistos de filosofia e de abstracionismo às vezes me cansam, ma sempre excitam minhas meninges. E é um livro tão importante para mim, visto que trata das aventuras e conjeturas de cavaleiros que lidam com alguém fechado numa armadura, na realidade, vazia! Metáfora desse invólucro em que escondemos nosso verdadeiro ser. E que tem tudo a ver com minha convicção antiga - que Bené sempre soube e que está aí mesmo ao lado, em letras verdinhas, no "quem sou eu"...- de que nós somos muito mais o que os outros acham que somos, do que aquilo que pensamos ser...
E tenho outros livros de que não abro mão:
-"Mistero Buffo" - Dario Fó (Nobel 97), ensaio definitivo sobre as origens do teatro popular de rua, desde quando foi estimulado pela Igreja Católica para que o povo aceitasse os dogmas sem questioná-los, até quando, pela mesma Igreja foi perseguido e excomungado, e até os tempos modernos em defesa e divulgação de idealismos sob forma de cultura.
-"Centúria, Cem pequenos romances-rio" de Giorgio Manganelli, uma imperdível coletânea de perfis humanos revelados com a sutileza de um grande psicólogo.
-"Homens e ratos" - uma saga de bóias-fria em que Steinbeck nos leva a compreender as mentes perturbadas, além de transformar um golpe de misericórdia em ato de amor.
-"O velho e o mar" - a pequena jóia do Hemingway onde a vitória transcende toda a dor da perda.
É assim que todos os livros vem, batem um papo com os definitivos, e vão para outras estantes. Também leio muitos emprestados que devolvo com o mesmo carinho e a mesma devoção com que os leio.
Ah! ia esquecendo: durante muitos anos serviu-me de estímulo e desafio o "Ulysses" do James Joyce, numa velha edição de 1946, gasta e vinda de um sebo da Inglaterra. Desisti de lê-lo e já está do outro lado da minha estante, junto dos livros de arte. Mas seus "Contos Dublinenses", já se foram há muito tempo: se bem me lembro para a Wendy, uma simpática arquiteta que foi minha colega de curso no MAM, nos idos de 2004. Ela fazia o possível para não dizer que seu nome verdadeiro era o super-irlandês "Gwendolyn" da heroina do Rei Artú!
Olá Wendy, desculpe ter revelado seu segredo! Você por acaso segue meu blog? Apareça! Inté...

Um comentário:

Benedito Deíta disse...

Minhas sensações, a respeito de tudo isso, são tão vastas quanto é intensa, mas pequena, sua seleta quantidade de livros. Preciso digerir tão intensa vastidão em tão poucos volumes. Me sinto, assim, leviano por livros tantos que não li. E muito me orgulha de caber entre os que lhe despertaram mais do que o folhear de páginas.