sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

AVENIDA HIGIENÓPOLIS - UM BAIRRO, QUASE UM PARQUE



Crônica

Depois de cinquenta anos - e elas só florescem a cada cinquenta anos - as palmeiras de Burle Marx floresceram no aterro do Flamengo. Burle Marx sabia o que estava fazendo e plantou o que tinha certeza que vingaria para sempre.
Não há raridades intencionais nos parques de São Paulo mas a exuberância do verde perene da vegetação tropical está em toda parte.
Aquela Avenida Higienópolis – provavelmente uma das mais bonitas da cidade – é um exemplo. Com sua gama compacta de árvores que se encontram no ar ela é o túnel que protege do sol, onde o verde atravessa as estações.
A avenida vai fluindo lentamente até debruçar-se sobre o vale do Pacaembu admirando os tetos dos casarões antigos transformados em showroom. No inverno aspira o multicolorido das azaléias como se elas exalassem aroma e conversa com as casas que escalaram, atrevidas, as encostas de Perdizes. Em dia de jogo, observa benévola as hordas que desfilam, rítmicas, como exércitos de saúvas.
Mas sinto falta, depois de alguns anos que mudei de bairro, daquelas enormes vértebras de aço, soldadas uma em cima da outra, a retratar a espinha dorsal que o escultor Caciporé Torres , criou para definir o porte e a alma da Avenida Higienópolis. Estavam em frente de uma antiga casa que durante muitos anos abrigou um Banco de cujo nome já não lembro. A elegante senhora a quem perguntei sobre o paradeiro de banco e escultura, respondeu que também não sabia, enquanto seu poodle se atirava à arvore mais próxima.
Todos esquecemos rapidamente. Mas é um pouco adiante da avenida que meu pisar crocante sobre folhas palmadas e enrugadas me leva a lembranças mais distantes ainda. Não foi Burle Marx que plantou – só Deus sabe há quanta gerações – aqueles plátanos, de tronco em manchas cinzentas, estranhos ao clima da cidade. Ele saberia que a longo prazo acabariam abastardados, quase irreconhecíveis. Ainda assim, aqueles plátanos descolorem suas folhas no outono, e as perdem no inverno; as repõem na primavera e criam seus frutos no verão: pequenas bolas espinhosas, mas vazias. Plátanos são castanhos selvagens e, mesmo sem frutos, ainda estão lá no trecho que leva a dois colégios. Frondes, barulhos e caminhos: tudo idêntico ao que eu, criança, pisava ao ir à minha escola, em outro continente.
Não há esquecimentos em São Paulo sem frestas de lembranças: a cidade está cheia delas.
Já houve choupos plantados inutilmente na inauguração da 23 de Maio. Não duraram seis meses. E já houve um carvalho em frente à escadaria do “Les Oiseaux” na Rua Caio Prado. Não voltei depois que o colégio foi desativado. O seu terreno já virou mil coisas: de circo a estacionamento e agora vai ser mais um parque para os pulmões e as crianças da cidade. Provavelmente aquela árvore inusitada não estará mais lá.
Tudo continua porém na memória dos que escolheram fazer do bairro - e da cidade - sua casa acolhedora, guardando no sótão um baú de recordações. Pieguice.....

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O PRIMEIRO BAILE

CONTO

O primeiro vestido de baile, o primeiro discretíssimo perfume, a primeira maquillage suave, os primeiros dezesseis anos de vida, cheios de ansiedades. O salão cheio de sedas e tules: branco, rosa, algum amarelo. O de Clara, o único verde. Muitas flores, flores e mais flores, nas mesas, em volta da pista, nas cinturas, nos decotes. Uma margarida branca numa fita dourada em volta do pescoço, sem jóias. Clara não tinha. E as danças, nos braços do mesmo jovem, sem trégua.

Não me deixe sentar, não quero dançar com outro....
Ele não tem namorada. Ele convidou a mim para seu baile de formatura.
Ele é o irmão mais velho de minha melhor amiga.
Em breve irá à França estudar arqueologia.
.......Será ele meu primeiro namorado.....
.......Dele meu primeiro beijo.....

Clara vinha sonhando com ele, desde o dia em que foram em bando ao cinema, onde ele fizera questão de sentar ao lado dela, segurando-lhe a mão.
Era bom dançar com ele, seguro, bonito mesmo

Quase tão bonito como papai.

Um vinho branco suave, coqueteis de frutas, tortas pequeninas, salgadas e doces, em pratos com um escudo pintado num canto, como escudo de uma realeza. Porque não? Ela sentia-se mesmo uma rainha, merecia tudo o que estava acontecendo.
Foi aí, na volta da festa, no portão entreaberto da casa de Clara: as duas mão em concha a levantar-lhe o queixo e um beijo nos lábios. Ela tinha estado esperando aquele momento....Meu Deus, e agora?...

....Vou emporcarlhá-lo com o meu batom!
E se manchar também a lapela do summer jacket?
Mas é tão doce, tão novo, tão emocionante, mais do que beijo normal.
A saliva dele tem gosto de vinho branco.
E a minha será que tem o do coquetel de morango?
Como tenho tanto tempo para pensar em tudo isso?
Um beijo é assim mesmo, dura tanto?

Devagar, estão entrando portão adentro, como para esconder-se de quem por acaso passasse, e, de súbito, impulsivo, ele se afasta enrijecido, como alguém que, de repente, está com medo. De que?
"É tarde. Amanhã te ligo e venho te buscar para ir à praia" -um curto silêncio, quase envergonhado, olhos baixos - e depois:" Eu gosto muito de você, muito mesmo, sabia?"
E sem esperar resposta, com a mão na maçaneta, ele puxou-a para si e a porta fechou-se, calada, sobre o silêncio de Clara