quarta-feira, 15 de agosto de 2012

VIAGEM NO TEMPO





Meu café está esfriando.
Culpa da moça que acaba de passar por aqui levando na coleira um labrador loiro, com a calma de quem não vai a lugar nenhum a não ser passear seu cachorro. Alpargatas coloridas, camiseta e bermudas, nenhum enfeite, nem bolsinha; nada, só o cachorro.
Passou e não consegui ver-lhe os olhos: o sol diretamente no rosto, pálpebras ligeiramente franzidas, narizinho reto, impertinente.
Fico torcendo para que ela volte pelo mesmo caminho para vê-la contra o sol. Ou será que ela já estava voltando...
Ansiedade estranha essa, que me faz esperar de revê-la. Como se sua passagem tivesse-me desafiado a um duelo de recordações e eu, ao recolher a luva, tivesse-me perdido nelas.
Tomo meu café frio, peço mais um e uma torta de maçã para amenizar a espera; tenho a impressão que a garçonete, agora, me olha de forma diferente.
O que estou fazendo eu, vestida desse jeito... Não trabalho mais, mas saí de casa ao completo: meias, maquiagem, pulseiras, bolsa. Para sentar ao sol no café da esquina!
Nunca fiz isso antes.
Mas algo assim já aconteceu. Naquela noite na estação, via o céu ainda estrelado antes que o trem começasse a correr enfiando-se na neblina. Uma imagem na plataforma, feito epifania, havia ficado na minha retina: a menina com um cachorro, mas era poodle abricó.
Agora tenho a impressão que ela está voltando, mas ainda não quero olhar. Terminada a torta, rapidamente tomo o café e fecho os olhos, cansada.
Ao abri-los me encontro naquela rua arborizada, com uma menininha ao lado que se parece com minha filha. Pode ser ela afinal, antes de crescer e ir-se, longe, onde tornou-se a mulher que eu não vi amadurecer, onde ela não me viu envelhecer.
Mas a moça que agora volta a passar na minha frente, tem olhos claros; casualmente olha para mim e sorri. Sorrio de volta e tenho vontade de perguntar-lhe o nome: sei que reconheceria a voz, mas prefiro não ouvi-la.
Pago a conta e saio andando no sentido contrario.
Agora sou eu quem caminha com o sol nos olhos, mas tenho óculos escuros para me refugiar.