sexta-feira, 23 de setembro de 2011

NOSSAS CONQUISTAS - Crônica

Vivemos em mundos sem fronteiras, ricos, ampliados, e até virtuais. Já estamos providos de vídeos, teclados, fios auriculares, apetrechos que nos acompanham sempre, em casa, no trabalho, nas ruas, em restaurantes; somos afinal esplendidamente modernos, civilizados, equipados, democráticos, conectados. Usamos palavras tão grandes quanto o universo:globalização, integração, cooperação, meio-ambiente, igualdade, multimídia.
Aprendemos a arte de entender, analisar, explicar, defender, justificar. Sentimo-nos todos bonitos, lavados, passados, etiquetados na última moda, publicidade ambulante que somos das grifes – mesmo as falsificadas. Somos bons, generosos, gentis, compreensivos, abertos, muito adiantados, alcançamos o máximo da civilidade. Hiper-civilizados, tranquilamente acomodados em nossos confortos recém-adquiridos, somos a sociedade do bem-estar, vivemos num enorme, multiforme centro, um verdadeiro spa colossal e global.
Aceitamos todas as verdades mesmo percebendo que elas necessariamente escondem alguma pequena inverdade como se alguma mentirinha fosse um empurrãozinho para melhorar a qualidade das verdades.
De tão atualizados, educados, “chegados”, não percebemos que estamos cada vez mais sozinhos, mais isolados. Andamos pelas ruas sem olhar nada ao nosso redor, falando sozinhos entre mil fios pendurados no pescoço, ouvindo musica, e-mails, recebendo e transmitindo mensagens, falando com os outros sem vê-los, ampliando cada dia mais esse silêncio humano que está começando a engolir-nos.
Enquanto nos convencemos que todas essas facilidades, nos abriram à visibilidade individual, não realizamos que estamos – talvez - caminhando para uma cegueira coletiva. Ainda reconhecemos nosso vizinho? Olhamos as coisas que passam pelas janelas dos ônibus que nos transportam, mas não vemos o que são: enquanto nossos olhos vem as ruas, as casas, os prédios, as árvores - que supomos seja tudo o mesmo de ontem, de meses atrás, do ano anterior – nossos ouvidos são abastecido de informações transitórias, canais pré-escolhidos que nos atiçam a ouvir e raramente a aprender.
Será por isso que parece termos desaprendido a capacidade de ensinar? Ou é por isso que acabamos achando que educar nossos filhos seja uma atitude antiquada, visto que eles, de tacada e desde muito pequenos, aprendem tudo sentados à frente de um vídeo? E o que se aprende à frente de um vídeo é realmente tudo?
Tantas coisas, tantas analises, tantas considerações surpreendentes. Fica uma pergunta que precisamos nos colocar, e com urgência: qual o caminho trilhado por nossas crianças. Qual, especialmente o dos nossos adolescentes? Esquecemos que ser adolescente significa estar por vadear entre a perda do mundo infantil e a descoberta da própria identidade.
Absorvidos e estasiados, mas também distraídos por tantas facilidades, apetrechos e quincalharias, saberemos ver – e reconhecer - o pedido de socorro da nossa juventude?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

MEDIANERAS - UM FILME UNIVERSAL!

Produção: Argentina/Espanha/Alemanha 2011
Direção: Gustavo Taretto
Cast: Pilar Lopes de Ayala, Javier Drolas


Sem voyeurismo: a forma mais poética, terna, plástica e pictórica de invadir a solidão humana.
Qualquer elogio será depreciação, lugar comum.
Impossível não ficar "speechless".

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

UM SONHO DE AMOR - RESENHA

Título Original: Io sono l'amore
Produção: Itália 2009
Direção: Luca Guadagnino
Cast: Tilda Swinton, Flavio Parenti, Edoardo Gabriellini

Há tempos não se via tanta suntuosidade. Se esse filme fosse uma mulher, o termo apropriado, e insubstituível, seria “allure” que não tem a ver nem com classe, nem com elegância, e muito menos com sensualidade, apesar de ostentar também todos esses adjetivos. “Allure” tem a ver com “porte”, com “presença física”, com “comportamento”, com “tempo e maneira de caminhar”. Longe do luxo dos filmes históricos, onde a pesquisa do mobiliário e vestuário está mais do que documentada, o diretor Guadagnino fez uma devassa nos hábitos, na altivez e no isolamento social dos magnatas não só Italianos mas Europeus, mesmo que todos já à beira da globalização. Trouxe a tona a tacanharia encrustada nas tradições do “nome”, tacanharia não como apego ao dinheiro mas como limitação, reserva de espírito.
Talvez tenha sido esse o conceito do título original do filme “Io sono l'amore” , “Eu sou o amor”. Num contexto em que no amor, antes regulamentado numa organização sólida de tradições já aceitas e digeridas, uma mulher da-se o luxo da transgressão. O interessante é que o inicio dessa debandada surge – sutilmente, quase aromaticamente – de lembranças de sabores de que essa mulher abdicou a cerca de trinta anos, adotando outro paladar. Parece um filme de gastronomia? Não, não é, mas ela é presente desde o inicio, no preparo esmerado, cuidadoso, impecável de um jantar em honra do patriarca da família. É naquela sequencia que começam a transpirar, como já a crítica especializada reconheceu, os ares inconfundíveis de um Luchino Visconti: os panoramas silenciosos, os longos momentos de câmara estática, os detalhes primorosos dos interiores, o requinte das pessoas que parecem flutuar na tela.
Entretanto Guadagnino ampliou sua fonte Viscontiana para detalhes quase imperceptíveis que sua câmara parece roubar, por frações de segundos, até dos olhos do espectador: num instante fugaz ela sobrevoa a vastidão do saguão da mansão e enquadra, do alto, a figura da protagonista reduzindo-lhe o tamanho. É aí a apresentação do espírito dessa mulher: altiva e já confortável no ambiente que domina, é porém cerceada em seus vôos na direção de muitos lugares, de poucas recordações. Lembranças e saudades quase esquecidas. Em outro momento, e numa paisagem bucólica, a câmara clica o tropeçar de uma abelha numa giesta, o que obriga a mulher a desviar o rosto.
Aliás o contraste entre a sisudez de Milão e as floradas de San Remo, parece desvelar o roteiro romântico dessa mulher que saiu do cinza da Rússia para as cores da Itália, descobrindo-as somente quando tropeça no amor. Ela, a mulher, se transforma no Amor. E ele, o amor, semeado durante pequenas experimentações culinária na mansão da família, explode na natureza acolhedora, de relva limpa, das colinas mediterrâneas. De relva limpa: não há vestígio de sujidade no Amor.
Frequentemente é a movimentação - ou a inércia - dos personagens que conta as últimas evoluções do drama. Há detalhes que são reveladores por um único gesto: quando o jovem amante começa a livrar o corpo da mulher de suas vestimentas e de suas jóias, ele está despindo-lhe a identidade, em contraponto à ação do marido que em noites de festa, a veste das jóias de família.
Houve sim, pequenos detalhes desnecessários: a imagem que a mulher visualiza da filha beijando a amiga, quando por fotos (não mostradas) e pelo tom do diálogo mesmo que não esplícito, o lesbianismo da moça já estava definido. Entretanto, a declaração da mulher ao marido, articulada nas claras palavras : “Eu amo Antônio”, foi necessária para a redefinição de sua identidade. A reação do marido em despi-la do próprio casaco é também, mais uma vez, o despimento definitivo de uma identidade já rejeitada.
Certamente um filme de autor. Uma gama de atores de primeira linha e uma atriz impecavelmente segura, fizeram o resto.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

UM CONTO CHINÊS - Resenha

Título Original: Un Cuento Chino
Produção: Argentina/Espanha 2011
Direção: Sebastián Borensztein
Cast: Ricardo Darín, Ignacio Huang, Muriel Santana

O cinema argentino ataca outra vez, ganhando, de forma merecida, impositiva e definitiva, seu lugar na história do cinema. Numa demonstração de maturidade que vem conquistando há mais de duas décadas, aparece mais uma vez em uma pequena grande obra de arte: pequena pela modéstia de sua produção, grande pelo resultado.
O Diretor Borensztein, com a meticulosidade de um artesão-entalhador do século dezesseis, colocou em cena a loja, a casa, as manias, o isolamento, as rabugices de um hómem solitário. Com a mesma meticulosidade, este ator fenomenal que é Ricardo Darín, construiu um personagem que consegue convencer - e convencer-se - de suas manias, seu isolamento, suas rabugices, escondendo até para si mesmo, uma delicadíssima alma de samaritano. Borensztein orquestrou de tal maneira o cenário e seus componentes corriqueiros, que qualquer cliente que entrasse naquela loja, ou penetrasse naquela casa, acharia tudo coerente, natural, intrínseco ao personagem.
E que personagem! Vive cultuando e colecionando lembranças que não são dele, desde os bibelôs para a mãe que não chegou a conhecer, às notícias inusitadas que recorta compondo um acervo cuidadosamente encadernado. É naquelas notícias que viaja, imaginando locais, panoramas, acontecimentos. O inusitado do mundo que um dia entrará pela sua porta.
Ricardo Darín não interpreta: idealiza, cria e acredita em suas falas, como se o filme não tivesse script nenhum, pois suas palavras saem "impromptu" da personagem que ele acabou "sendo". Os DeNiros e os Depardieus da vida tem agora um rival à altura, dificilmente igualável.
No Conto Chinês tudo tem o ar de que as coisas estejam acontecendo quando as vemos naquela tela. A naturalidade das poucas personagens, tão importantes quanto cada peça de móveis da casa do protagonista, quanto cada caixa de pregos de sua loja. Um jovem chinês de olhares, de tremores, de quase infantilidade. Uma mulher apaixonada que nem se sonha em produzir-se para visitar o homem que ama.
O cinema argentino está exportando sabedoria para os cineastas já universalmente conhecidos, admirados e premiados. A história que inspirou o filme, tão incrível quanto inusitada, foi divulgada por um noticiário da Televisão Russa e quem tem o hábito de permanecer na sala após o final do filme e durante a lista dos créditos, terá na tela a reprodução do seu original no idioma. Mais uma vez Borensztein fez um trabalho de formiguinha, conseguiu o tape e o usou com o cuidado com que se tratam as peças de arte. E acabou criando mais uma.