sábado, 30 de junho de 2012

VIOLETA FOI PARA O CÉU



Título Original: Violeta se fue a los Cielos
Diretor: Andrés Wood
Produção: Chile/Brasil/Argentina 2011
Cast: Francisca Gavilán


Violeta Parra ainda é grande nome da arte latino-americana e finalmente esse filme, baseado no livro escrito por seu filho Angel, nos traz informações bem mais amplas sobre a vida e a múltipla obra dessa emblemática mulher cuja história nos chegou – durante os últimos anos de sua vida – provavelmente deturpada pelas lentes castradoras do momento político do nosso país e do dela.
Cantora, compositora, pintora e escultora e, antes de mais nada, quintessencia de “povo”. Povo chileno, qualquer povo limitado por séculos à condição de colonizado, privado de oportunidades sociais, cujas únicas fontes de cultura foram as herdadas da tradição verbal andina.
Filha de uma índia com um branco, professor de uma escola miserável numa aldeia miserável, menina de rosto marcado por cicatrizes de varíola, Violeta cresceu entre guitarras arrebentadas pelas bebedeiras do pai, guardando seus sons dentro do peito numa ansiedade criativa. Foi andando de casa em casa, entre os núcleos mais longínquos, registrando histórias, sons e canções dos mais velhos, que começou a coletar o material necessário para tirar de dentro de si mesma, os primeiros acordes. Suas primeiras canções e baladas não podiam deixar de ser o que foram: lamentos e esperanças de vida melhor, revoltas e brados de protesto inexoravelmente a caminho de um ideal proletário facilmente transformado em engajamento marxista.
É justo de países comunistas que vem seus primeiros sucessos musicais, suas primeiras viagens ao exterior, para as quais até deixa seus filhos ainda pequenos aos cuidados dos maiorzinhos. É a simplicidade de seus versos, a profundidade das imagens aparentes só bucólicas e infantis, que despertam a admiração lá fora, onde a vida é sempre mais fácil, onde as oportunidades estão ao alcance de muitos ou quase todos . Seguindo um jovem suíço por quem se apaixona, é que em Paris, começa a pintar quadros e a bordar painéis, recriando cenas dos povos andinos, suas cores e suas misérias, obras que merecem a atenção de um dos setores de divulgação temporária do Louvre. A notoriedade internacional consegue que o prefeito da zona onde vive no Chile, conceda um espaço para que construa uma tenda que ela chega a chamar faculdade/escola, onde viverá criando um palco permanente da cultura indígena através de suas canções e de seus painéis. Será a perda daquele suíço, bem mais jovem do que ela, que transformará sua vida do abandono de suas próprias aspirações, até o suicídio.
A grande interpretação de Francisca Gravilán leva ao espectador uma Violeta de densidade emocional vibrante e magnética. O filme não pretende tornar Violeta Parra uma heroína, mas deixa dela, sim, a força de uma mulher do povo que “é” sua própria terra e que sempre viveu dela e nela “como el musguito en la piedra”...



A PRIMEIRA COISA BELA


Titulo original: La prima cosa bella
Produção: Italia 2010
Direção: Paolo Virzí
Cast: Stefania Sandrelli, Valerio Mastandrea, Claudia Pandolfi, Michaela Ramazotti


Na verdade, a primeira coisa bela desse filme é justamente a acertadissima criação de uma personagem feminina: uma moça que, apesar de volúvel, questionável e até de comportamento deplorável, é crível, admirável e cativante. Jovem mãe de duas crianças, escolhida apesar de si mesma como “Miss mãe” num evento suburbano de verão, vê-se de improviso atraída pela fatuidade da fama, crê em todas as promessas recebidas, e descamba por uma vida incontrolável. Ama ternamente seus filhos, e luta incansavelmente para não perde-las, sem todavia abandonar o que seria seu mau caminho.
O que faz o milagre? É uma direção carinhosa, tão cuidadosa que em nenhum momento coloca o espectador em dúvida entre as épocas que alterna para contar a história. É a interpretação sincera e espontânea da já sessentona Stefania Sandrelli que recapitula na própria imagem todas as imagens das outras atrizes que a interpretam nas demais idades: uma mulher cativante, e estranhamente admirável contrariando todo julgamento, mantendo tanto em seu interior como à flor da pele, uma pureza inabalada. Melhor ainda: sua inocência.
Uma personagem. Uma mulher, cujo comportamento envergonhou seu filho desde a infância até a idade adulta, consegue aglutinar o carinho e a admiração de todos até no leito de morte onde, in extremis casa-se com seu último velho amante.
Dramalhão? Nada! Um relato intercalado de pequenos sorrisos, e até de algumas ótimas risadas nos diálogos dos filhos pequenos. Uma história que nos leva a repensar quantas vezes criticamos e pré-julgamos pessoas sem conhecer suas verdadeiras índoles.
Com uma mão tão feliz para reger um filme simples e ao mesmo tempo primoroso, que venha mais vezes esse Virzí, cujo currículo é salpicado de prêmios internacionais mas raramente trazido às nossas telonas.
Prazer em conhecer.

terça-feira, 19 de junho de 2012

DEUS DA CARNEFICINA - Resenha de Filme

Título original: Carnage ---
 Produção: França/Alemanha/Polônia/Espanha 2011 ---
Direção: Roman Polanski sobre peça de Yasmina Reza---
Cast: Jodie Foster, John Reilly,Kate Winslet e Christopher Waltz

Yasmina Reza, dramaturga francesa de origem iraniana, é especialista em discussões e bate-bocas. Assisti sua primeira peça “Arte” em Paris há muito anos e voltei entusiasmada pela agilidade dos diálogos, o sarcasmo das argumentações e a habilidade com que ela consegue que uma frase revele o caráter da personagem. Quando a peça foi montada em São Paulo, carreguei um grupo de amigos com entusiasmo. Pode ter sido por tradução, produção, direção, cenografia ou interpretações, não sei, mas acabamos vendo uma peça desastrosa e desastrada apesar de bons nomes em cena. Toda a sagacidade do texto havia sumido.
Quando li o nome do Polanski na adaptação para o cinema de outra peça teatral da Yasmina Reza, corri para assistir. E saí feliz.
Sou fã incondicional do Polanski desde sua “Faca na água”, tentei nunca perder um filme seu, e sempre considerei “Rosemary's Baby” sua obra menor apesar do estrondoso sucesso. Aqui em “Deus da Carneficina” existe um matrimonio definitivo entre texto e direção. Raro de acontecer. Ao entrar no cinema ainda tinha na memória a construção visual arrebatadora de seu filme anterior,  “Ghostwriter”: as nuances dos seus cinzas, o sopro daquele vento que invadia de folhas a tela inteira, as enormes paredes de concreto nu de uma casa pra lá de futurista e obras de arte cujas cores gritavam por aplausos.
Em “Carneficina” aqueles espaços a perder de vista encolheram: tudo concentrou-se em quatro paredes como manda o bom teatro. Mas o fluir das paixões, todas as paixões, as recolhidas e as vomitadas, as contidas e as gritadas, as “sorridas” e as “choradas”, invadiram cada canto da cena, voando janelas afora até atingirem em cheio as faces da plateia.
Não preciso contar detalhes, nem relatar razões para tantas digladiações.
É filme para se ver, com atenção, com tensão mesmo. Não vai ficar muito tempo em cartaz, pois o publico não gosta de ser esbofeteado.

MEDITERRÂNEO

Na Toscana meridional, entre as colinas que escalam suavemente os Apeninos, perto de uma localidade chamada Poggio alle Mura foi descoberto o maior e mais antigo fóssil de baleia encontrado na Itália. Os paleontólogos ainda festejam. O lugar, à distância de mais de trinta quilômetros do mar, nos reporta a um pensamento extraordinário: que lá, em Poggio le Mura” o fundo marinho de mais de cinco milhões de anos atrás, era o habitat natural de baleias e hoje é terreno ideal para uvas de qualidade invejável.

Andando por aquelas redondezas há pouco mais de um mês, lembrei de uma entrevista em que um jornalista eslavo - cuja nome complicadíssimo, não conseguiria lembrar, nem sob tortura,- citou o Mediterrâneo como - e espero reconstituir a frase corretamente, “um mar que não é oceano, mas um mar, pequeno mar nosso, no meio de terras”. Pelo detalhe do “pequeno mar nosso” foi que imediatamente lhe atribui, levando também em consideração a difícil grafia do seu nome, uma nacionalidade banhada pelo Adriático, braço alongado e intimista do “Mare Nostrum.”

E ele, este Mediterrâneo maravilhoso e perfumado, realmente está no meio de terras, seu espírito infiltra-se terras adentro, não importa a quem pertençam. Um mar que não é só lugar geográfico, mas lugar de alma. Aqui se encontram dezenas de povos, milhares de ilhas e milhões de seres humanos. Um mar que, para os justos, une , para os imorais separa.

O Mediterrâneo, - e o esqueleto da baleia provou - invade as terras, todas as terras. Dele emerge um sabor inconfundível de sal e vento, que sopra através dos pinheiros marítimos, infiltra-se pelas praias, pelas curvas das falésias, por botes, barquinhos, lanchas, canoas e pelas balsas que unem margens, aldeias, povoados, cidades. E leva por toda parte o perfume da menta, do orégano, alecrim, lavanda. E do manjericão.

Cada um vê e sente seu próprio Mediterrâneo, mesmo sem ver as praias, mesmo sem estar em suas margens.Eu já estava em Roma e o mar estava presente, no garrir das gaivotas em cima do Tibre, na infinidade de altos e esguios pinheiros marítimos. Como se a cidade estivesse a beira mar. Desse meu sentimento mediterrâneo, e na profundidade do meu próprio ser, voltou a emergir aquela sensação infantil do cheiro dos plátanos, dos ciprestes, dos pinheiros.

As Fontes e os Pinheiros de Roma. Respighi inebriou-se deles, os imortalizou em suítes eloquentes, levando seu perfume junto ao cristalino das fontes que, perpétuas, jorram água sobre mármores poidos a enriquecer-lhes a candura.

Nas paredes de minha mais remota memória voltam a criar-se paisagens: afrescos, lavados a chuva e briza, que ficam arquivados na mente e no paladar, como fossem vinhos saboreados ao por do sol, num imenso terraço que contempla e transpira o horizonte. Horizonte: aquele fiapinho de linha que mar e céu disputam sempre. E jamais conquistam.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

PRIMAVERAS


---margaridinhas salpicam os gramados, folhagens desabrocham viçosas, laranjeiras ainda conservam uns velhos frutos mas já se ornam de milhares de botões brancos exalando seu perfume.
É também assim que as pessoas sabem que a Primavera está chegando.
As ervas daninhas que um dia se infiltraram nas rachaduras dos velhos muros, a procura de uns grãos de terra, agora estão dando florzinhas rosadas. Aquelas ervas inúteis, desconhecidas, tem esse habito de invadirem os vãos entre pedras, surripiadamente, como os dedos de um batedor de carteira nos bolsos de sua vítima: ficam, se instalam, florescem, crescem e se coram ao sol para soltar suas pétalas enrugadas só no outono.
A estranha atmosfera inunda as avenidas, as ruas, os parques, as janelas. Aquele terraço, lá em cima no quarto andar vomita ramas e ramas de folhagens a emoldurar cachos e cachos de glicínias azuladas. É essa existência nova, renovada, quase virtual que reveste o ar como um tecido efêmero, de duas face, para vesti-lo de roupa apta ao mimetismo da nova estação.
As estações parecem não ser mais como antigamente, mas ainda fazem seu trabalho.No despertar da primavera, as gemas ainda comparecem nos ramos, as flores florecem e nos lembramos de ter um corpo ainda capaz de reconhecer os sinais do renascer.
Num rocambolesco correr, está aqui o passado.
O mês adolescente.
A dúvida entre a manga longa e a curta.
Os frutos já despontando, mas ainda estão verdes.
Os peitinhos em botão, ainda não florido.
O primeiro batom ainda claro com sabor de atrevimento.
O começo de tudo aquilo que o verão nos trará, sem grandes promessas mas com grandes esperanças.
Eu estive lá, na nova velha primavera.
O momento em que podemos dar-nos conta de que os filhos já cresceram, que os amigos envelheceram, exatamente como nos, e que de repente descobrimos como seria bom ver este Maio, esta Primavera, sempre, pela janela de nossa casa.