domingo, 21 de outubro de 2012
AUSÊNCIAS
-- Engoliu a surpresa, descansou as pálpebras e sorriu. "Venha".
Micro-conto inspirado na frase:
"Toda vida só é vida pela osmose da palavra e do fato,
em que a primeira reveste o segundo de seu traje de gala."
De autoria de Muriel Barbery, em seu livro
"Une gourmandise"
domingo, 14 de outubro de 2012
OSSOS
sábado, 6 de outubro de 2012
PLÁGIO? " MINHA VIDA SEM MIM" X " 'TUDO O QUE DESEJAMOS'
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
O NUNCA e O AGORA
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
VIAGEM NO TEMPO
quarta-feira, 18 de julho de 2012
PARA ROMA COM AMOR
sábado, 30 de junho de 2012
VIOLETA FOI PARA O CÉU
A PRIMEIRA COISA BELA
terça-feira, 19 de junho de 2012
DEUS DA CARNEFICINA - Resenha de Filme
MEDITERRÂNEO
Na Toscana meridional, entre as colinas que escalam suavemente os Apeninos, perto de uma localidade chamada Poggio alle Mura foi descoberto o maior e mais antigo fóssil de baleia encontrado na Itália. Os paleontólogos ainda festejam. O lugar, à distância de mais de trinta quilômetros do mar, nos reporta a um pensamento extraordinário: que lá, em Poggio le Mura” o fundo marinho de mais de cinco milhões de anos atrás, era o habitat natural de baleias e hoje é terreno ideal para uvas de qualidade invejável.
Andando por aquelas redondezas há pouco mais de um mês, lembrei de uma entrevista em que um jornalista eslavo - cuja nome complicadíssimo, não conseguiria lembrar, nem sob tortura,- citou o Mediterrâneo como - e espero reconstituir a frase corretamente, “um mar que não é oceano, mas um mar, pequeno mar nosso, no meio de terras”. Pelo detalhe do “pequeno mar nosso” foi que imediatamente lhe atribui, levando também em consideração a difícil grafia do seu nome, uma nacionalidade banhada pelo Adriático, braço alongado e intimista do “Mare Nostrum.”
E ele, este Mediterrâneo maravilhoso e perfumado, realmente está no meio de terras, seu espírito infiltra-se terras adentro, não importa a quem pertençam. Um mar que não é só lugar geográfico, mas lugar de alma. Aqui se encontram dezenas de povos, milhares de ilhas e milhões de seres humanos. Um mar que, para os justos, une , para os imorais separa.
O Mediterrâneo, - e o esqueleto da baleia provou - invade as terras, todas as terras. Dele emerge um sabor inconfundível de sal e vento, que sopra através dos pinheiros marítimos, infiltra-se pelas praias, pelas curvas das falésias, por botes, barquinhos, lanchas, canoas e pelas balsas que unem margens, aldeias, povoados, cidades. E leva por toda parte o perfume da menta, do orégano, alecrim, lavanda. E do manjericão.
Cada um vê e sente seu próprio Mediterrâneo, mesmo sem ver as praias, mesmo sem estar em suas margens.Eu já estava em Roma e o mar estava presente, no garrir das gaivotas em cima do Tibre, na infinidade de altos e esguios pinheiros marítimos. Como se a cidade estivesse a beira mar. Desse meu sentimento mediterrâneo, e na profundidade do meu próprio ser, voltou a emergir aquela sensação infantil do cheiro dos plátanos, dos ciprestes, dos pinheiros.
As Fontes e os Pinheiros de Roma. Respighi inebriou-se deles, os imortalizou em suítes eloquentes, levando seu perfume junto ao cristalino das fontes que, perpétuas, jorram água sobre mármores poidos a enriquecer-lhes a candura.
Nas paredes de minha mais remota memória voltam a criar-se paisagens: afrescos, lavados a chuva e briza, que ficam arquivados na mente e no paladar, como fossem vinhos saboreados ao por do sol, num imenso terraço que contempla e transpira o horizonte. Horizonte: aquele fiapinho de linha que mar e céu disputam sempre. E jamais conquistam.
quarta-feira, 13 de junho de 2012
PRIMAVERAS
As estações parecem não ser mais como antigamente, mas ainda fazem seu trabalho.No despertar da primavera, as gemas ainda comparecem nos ramos, as flores florecem e nos lembramos de ter um corpo ainda capaz de reconhecer os sinais do renascer.
A dúvida entre a manga longa e a curta.
sexta-feira, 6 de abril de 2012
ESTOU INDO...
Aquela das glicinias,
das cerejeira em flor,
das papoulas no meio do trigo,
das margaridinhas nos gramados.
A minha Primavera.
Aquela que já não tenho mais,
nem aqui nem lá...
Deixo beijos a todos.
terça-feira, 6 de março de 2012
REFLEXOS DE " AS CANÇÕES", Documentário de Eduardo Coutinho
E lá estava eu, no trecho mais íngreme da Haddock Lobo, assombrada, conturbada, de repente pequena e insignificante. Poderosa, superior mas insignificante, pequena, envergonhada. Uma dondoca de merda trancada num carro, com mil amostras de madeira, cartelas de cores, tramas e urdiduras artesanais transformadas em tecidos preciosos, exclusivos, caríssimos. Tudo ao meu alcance para decorar um apartamento novo, num país onde o dinheiro corria a rodo apesar de uma ditadura acachapante, onde operários morriam nas obras sem que ninguém notasse.
“A Construção” estava alí nos meus ouvidos, aos meus pés, socando a boca do meu estômago com seu arranjo repetitivo, angustiante, agressivo. Me vi colocada num mercado persa onde ninguém se entende, onde as mercadorias valem mais do que os seres humanos. Num circo onde tudo é estupefação, onde tudo é fácil ver, receber, divertir-se, só por um pequeno tributo na entrada, onde o extenuante suor dos artistas é camuflado no sorriso, no riso, no milagre da alegria.
Vão repetir a música, pensei, têm que repetir, têm que repetir. Fiquei alí até conseguir outra estação de rádio de onde ela, "A Construção" cresceu de novo, com sua atmosfera veemente, seus ruídos de rua, seu galope dirigido a um indefectível destino trágico.
Não era só uma canção: era roteiro, palco, cinema, pintura, arquitetura, projeção fantástica. E sinfonia.
Os refrões, verdadeiros estribilhos, repetiam-se ao mesmo tempo em que as palavras vinham sendo substituídas por outras; em que verbos vinham sendo alterados por outros, conseguindo, com isso, ampliar, enriquecer, transformar o personagem de humano para máquina, de material para etéreo, de ingenuo para divino. Da modéstia inicial, ei-lo enobrecido, mesmo no seu final de pacote bêbado.
A indiferença do transito, dos transeuntes, dos motoristas que continuavam - como eu - ignaros do fato que uma vida é mais do que uma simples construção.
“A Banda” aquela marchinha simples, um tanto sentimentalóide e que muitos anos antes eu mesma havia considerado um pecadilho do autor, de repente, agora, junto com "A Construção", adquiria um significado especial, como se fosse uma toada para acompanhar o destino final daquele ser comum, operário.
Eu provara, quase vinte anos antes, a mesma sensação de humildade perdida ao ouvir os versos premonitórios do samba “Lata d' água”. A sociedade canta mas não se conscientiza.
Obrigada, Coutinho, por oferecer-me a cadeira. Mas não me sentarei nela. Não sei cantar, e prefiro ceder meu lugar para o Chico Buarque com seu olhar azul e seu meio sorriso carnudo: a quintessencia da humanidade, cujas canções, - versos e músicas - não parecem encontrar par no cancioneiro do mundo.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
O RETORNO
O pouco que tirou do corpo agora parece muito pesado para carregar. Como se, tudo de uma vez, lhe tivessem jogado em cima os lençóis esverdeados, a coberta de fustão, os fios, o oxigênio; e a televisão lá no alto, em frente à cama. Tudo a apertar-lhe os braços, a lacerar-lhe a carne, e a alma. O zunido de aviões lá fora, lhe traz de novo o barulho do rodar desconexo das macas, o assobio das chamadas, as luzinhas vermelhas a piscar. De novo a escuridão em que a mergulharam para cancelar-lhe a dor. E o remorso. Naquele escuro vazio, sua boca urrava em silêncio, seu corpo não estava mais consigo, seus braços não alcançavam o sumiço daquele ser que se ia. Havia acordado enquanto ainda corria atrás de suas entranhas que com uma mão recolhia e com a outra recolocava no ventre rasgado, agora vazio. Seu corpo todo voltou a doer.
De novo fazia calor, muito calor.
Ouve chamar seu vôo e lá está Silvia, em direção à fila. Voltar para casa. A viagem havia sido uma boa solução. Marcos nunca saberia, mas estaria à sua chegada com o sorriso e a segurança de sempre, com os mais ardorosos detalhes do projeto que, em breve, os levaria a outro continente para a gravação de sua nova sinfonia no mais prestigioso selo do planeta.
Na porta do embarque, a boneca no colo de uma menina ao seu lado, olha fixamente para Silvia. No rostinho de plástico, o sorriso é pintado como para não sair do lugar. Os olhos também: sem nuances de luz, fixos. Como aqueles da sua única boneca, quando ela lhes havia fincado um lápis para ver o que os fazia mexer, abrir e fechar. Não devia tê-la abandonado entre os escombros da casa onde nunca mais voltaria a morar. Deveria tê-la resgatado, lá mesmo, depois do desmoronamento, semi-nua, quase morta com os braços esmagados debaixo das pedras ensanguentadas que escondiam outros corpos, pernas e rostos desconhecidos.
Chovia naquele dia também: a mesma chuva branda, chuva de enterros. Como os de hoje, na desolação de uma viagem, agora, sem volta.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
UANÁ- UM CURUMIM ENTRE MUITAS LENDAS
Autor: Alexandra Pericão
Ilustrações: Claudia Cascarelli
Editora do Brasil 2011
O encontro de personagens do folclore brasileiro - abrangendo o País inteiro de norte a sul – num livro dedicado à pré-adolescência, pode não ser uma grande novidade, mas nesse caso, o primeiro grande feito é que nossos mitos foram trazidos ao momento atual. Há até a utilização, num momento à procura alguém, em que a chamada é feita em ponto-com! E não são só personagens de fábulas, mas eles conhecem e interagem com mitos de outros países, mesmo de outros continentes, de outras culturas. Bem presente em “Uaná” - a figura principal da história - o atualíssimo Harry Potter e suas aventuras, sem contar que até Pinocchio, (apesar de não mencionar-se seu nome) aparece espreitando nas entre-linhas.
O livro transita entre a aventura e o ensinamento sem que esse último seja nem imposto nem impositivo, mas alcança os leitores jovens por uma dedução SEMPRE facilitada e nunca esplícita. Entram aí ensinamentos sobre o respeito à natureza, ao próximo, à amizade, à benevolência, aos defeitos físicos, à transigência sem agressões. Há um momento delicadissimo em que reconhecem-se ensinamentos aceitos por casualidade, mas antes negligenciados por terem sido ministrados pelos pais. Há ensinamentos para a sobrevivência quando longe do próprio habitat; para a apreciação dos costumes e comportamentos de outras tribos; para a defesa dos próprios direitos e dos do próximo .
Tudo isso em páginas de beiras ornamentadas por suavíssimos desenhos quase tribais - um decorrente do outro, um transformando-se em novo, um simplificando-se e quase sumindo; páginas salpicadas de desenhos cujos traços e cores nos remetem aos traços e cores de um inteiro continente, onde a reminiscência de culturas andinas funde-se com os hábitos que no fundo no fundo mal conhecemos a não ser por aquilo que nos foi transmitido verbalmente e tradicionalmente e que aceitamos desde sempre como verdadeiros em nosso imaginário.
Um encarte estimula o educador - ou um familiar - a fazer com que o jovem leitor, mediante respostas simples e alegres, se pronuncie sobre assuntos que são do seu dia-a-dia familiar, social e escolar. Inteligentemente elaboradas e acompanhadas de ilustrações simplificadas mas bem atrativas, as três páginas-tarefa, serão extremamente elucidantes para acompanhar a evolução “literária” e “absortiva” do jovem leitor, visto que até curtas menções de colonizações vizinhas enriquecem os momentos históricos do Pais.
Edificante ainda a sugestão de uma eventual continuação do livro não somente pelo autor mas pela instigante idéia de que ela possa vir do próprio leitor.
Eis aí uma Escritora profundamente dedicada e uma Editora de grande visão.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
A GUERRA ESTÁ DECLARADA - Resenha
França 2011
Diretor: Valérie Donzelli
Um filme realista, minimalista, sincero. E poético.
Surpreendente e, creio, inédita sua façanha: a história real é levada às telas pela diretora e pelo roteirista que a viveram juntos, e de que também interpretam as personagens.
Valérie Donzelli e Jérémie Elkaïm se depararam na vida real com uma guerra que, ao ser declarada, teve que ser ganha a cada instante, a cada dia, a cada noite, a cada semana, a cada mês, a cada ano.
A metáfora do título é integrada ao diálogo num momento em que, por mais difícil que possa ter sido, foi repensada e enfrentada por um caminho de humor que, começando no amargo mais profundo, transforma-se em esperança e em quase serenidade.
Pieguice: em nenhum momento. É o ritmo da filmagem que, eliminando a maior parte dos detalhes, leva à ofegância do espectador que participa da ansiedade, da preocupação, da esperança, sem jamais perder os momentos poéticos. É bem verdade que o fundo musical ajuda o público a preparar-se para uma abertura emocional que o distancia da tragédia e o eleva à admiração técnica que lhe é servida numa bandeja de pura capacidade pictórica simplificada.
Não vai diminuir o interesse do leitor saber desde já que trata-se de um casal destinado a acompanhar, lutar e desgastar-se no combate contra uma gravíssima doença de seu filho. O importante é digerir sem lágrimas esse combate, intercalado de pequeníssimos toques, com uma indulgência super bem medida, em que a vida é vivida, deve ser vivida e deve continuar a ser vivida, pois é dessa obstinação que surge a força da sobrevivência.
A simplicidade com que os pais - a revelia dos médicos, e antes da cirurgia - levam o menino para ver o mar pela primeira vez, nos traz uma comunhão, melhor, uma cumplicidade quase infantil dos dois adultos. O mar invernal, revolto e batido contra as falésias de Marselha enfatiza a ousadia, e é nela que se concentra a determinação da fragilidade já descartada.
Mais uma vez a imagem do mar volta na cena final do filme. Desde os primórdios do cinema realista francês, o mar tem sido usado como a imagem reveladora da libertação. Foi assim no “Os incompreendidos” de Trouffaut (não a toa ele iniciou-se ao lado de Rossellini e admirava Fellini que também usou o estratagema em seu “O Sheik branco”); foi assim no “O demônio das onze horas” de Goddard e, em clara homenagem aos mestres anteriores, assim foi no “Abril despedaçado!” de Walter Salles, que coloca o rapaz perante uma bifurcação escolhendo o caminho do mar.
Valérie Donzelli termina colocando seus personagens numa praia agora mais tranquila apesar de ainda não ensolarada: o armistício promissor numa guerra bem enfrentada, onde o título desse filme imperdível reaparece na sua última imagem sem ser pronunciado e justifica plenamente sua escolha.