quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

OBAMA E EU

OU...EU E OBAMA?...
Tenho um amigo nos Estados Unidos que adivinha meus pensamentos : no fim de semana recebi, via e-mail, o texto integral do discurso de posse do novo Presidente. Primeira reação: correr para reler a frase que tanto havia-me tocado.
Li uma vez, duas vezes. Não achei.
Confusa, apreensiva , intrigada, li mais uma vez. Nada. Teria Obama saído do roteiro e inserido a frase surgida por ímpeto em sua mente?
Epifania?... Criei eu, na minha mente e no meu coração absorvidos por aquele evento, a frase que caberia perfeitamente naquele discurso, mas não estava? Com qual cuidado - e critério - escolhi, brotadas inconscientemente de meu ser, as palavras que emocionaram a mim e àquela irlandesa em lágrimas? Com qual transformação verbal elas chegaram pela boca de Obama aos ouvidos daquela ruiva no meio da multidão? E em que momento e em qual frase efetivamente pronunciada, a irlandesa se emocionaou e eu "desinterpretei"?
Não sei.
Uma Epifania... Banquei - ilegalmente e sem nenhum direito - o James Joyce que adotou e divulgou a palavra Epifania como "momento" literário. Tão confiante naquilo que eu havia "escutado", que corri para papel e lápis para não perder os detalhes da frase e tê-la como imagem definitiva de grande valor para todos os cidadãos, emigrantes, desbravadores, colonizadores. Talvez por ser eu mesma emigrante, mesmo que minha família não tenha sido lavradora?...
Uma Epifania: não sei se pedir desculpas por ela ou sentir-me orgulhosa de ter recebido de um orador uma aparição que, afinal, não foi inusitada: ela poderia perfeitamente ter feito parte daquele texto e teria feito todo sentido naquele Pais e em todo o Continente.
Já decidi: não vou pedir desculpas.
Minha Epifania está para mim como mais um voto para Obama.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

OBAMA - AGAIN

Não resisti a dar uma continuação ao meu "Habemos Obama" anterior.
Um dia depois de sua posse, ainda estou surpresa, admirada e, porquê não, comovida. Surpresa do mar de pessoas que o festejaram na rua. Admirada pela impecável organização do evento. Comovida pelo reconhecimento que senti dentro de mim daquilo que não se consegue explicar só com palavras: Democracia e Patriotismo.
Seu discurso sem leitura, prova o preparo intelectual de um homem que segue uma linha de pensamento intrínseca em seu cerebro, abrindo e fechando paréntesis, sem perder o fio da meada.
Uma frase do seu discurso me tocou especialmente e lamento que não consegui (nem teria como) gravar a imagem imediatamente depois de pronunciada, de uma jovem, característica cara de irlandesa, no meio de tantos (milhar, milhões, quantos?) rostos afro-americanos, cujas lágrimas escrorreram por traz dos espessos óculos de grau: Eis ela aqui, a frase, diretamente ligada à menção da crise:
"Efetuaremos a colheita, sob o sol, mesmo no vento, na chuva e na neve
como fizeram nossos ancestrais que araram nossos primeiros
campos".
Uma imagem tão forte que deve ter atingido profundamente aquela raça, pois agora os americanos são uma Raça, que veio de todos os cantos do mundo, para fazer daquela terra um país agora, sem dúvida, pronto a provar ser a terra da igualdade para todos e da justiça - esta também - igual para todos.
Sendo quem ainda sou, europea, ariana, caucasiana, septuagenária, e tudo mais, não tenho pudor de ter me sentido surpresa, admirada e comovida. Que bom que ainda estou viva.
God Bless America, quem sabe um dia como Continente.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

ADEUS 2008 - PRIMEIRA MENSAGEM DE 2009 PARA OS ESCREVIVENTES

A Casa das Rosas reabre as portas com uma série de novos cursos que começam amanhã dia 8 de Janeiro. Ainda não tenho a listagem completa: Se somente tiver cursos sobre poesias terei alguma dificuldade em dicidir se fazê-los ou não. Não é minha praia, mas, quem sabe acabo descubrindo que até poderei ser boa em rimas....
Estou torcendo para prosa, ou quem sabe, artes!
Em todo caso, a grande expectativa que me pressiona é reencontrar voces todos.
E que todos estejam de novo por lá! Se algum precisar sumir, me deixará saudosa,
mas sempre com o carinho e os agradecimentos por sua contribuição à minha produção do ano anterior, por que de todos voces arranquei imaginação e espírito criativo.

"AMOR E DESAMOR" - Conto

"Há quem ama, quem ama muito, que ama mais.
E quem ama melhor"
Jean Cocteau (1889-1963?), poeta, escritor, cineasta,
dramaturgo e cenarista. Para Jean Marais, ator

Foi como uma tempestade, poucos minutos de um frenético agitar de corpos, de curtos suspiros projetados ao teto, numa procura quase raivosa de alcançar o nada. Depois, o silêncio. Ela, imóvel, olhos fechados na penumbra do quarto. Ele acaricia os pesados cachos morenos da mulher e volta a chegar-se a ela num susurro: " Você vê? Nós nos amamos, ainda nos amamos."
Sua mão desce pela face e sua palma descança no travesseiro dela. Está úmido. Seus dedos correm de novo para o rosto dela e agora ele sabe. Num súbito apoiar-se no cotovelo, volta a olhá-la diretamente, face a face: "Você está chorando..."
Olhos fechados, no abandono dos ombros, a resposta dela se perde antes de alcançar o silêncio.
Ele insiste: "Por quê? Por quê?..." e quase não reconhece a voz que lhe diz: "É só isto que nos resta..."
Calmamente ela alcança a beira da colcha que recolhe em volta dos ombros, lentos passos na direção da lareira; o esperma que lhe desce pelas pernas nunca havia-lhe encomodado: cheiro de terra molhada por chuva de verão, cheiro de semeadura, sempre o sentiu assim. Como as outras mulheres o identificam? Hoje ela esqueceu.
Sentou-se no tapete, testa sobre os joelhos, o resto do corpo dentro da escuridão da coberta: os olhos, agora abertos, mal percebem o contorno de seu corpo nu encolhido em si mesmo. Sentia as faiscas da lareira soltar pequenos estampidos quebrando o silêncio, pesado, aterrador. Levantou o rosto. Percebeu a chegada do homem, agora sentado bem em frente a ela, de costas para aquela janela retangular, sem cortinas, que se projetava para dentro do jardim. Nu, pés planta contra planta, joelhos afastados, pênis deitado no tapete, ombros tremendo.
Ela continua olhando, bem acima do rosto dele, a nevasca que silenciosamente esbranquiça as vidraças.
"Você sabe, faltam só duas semanas para terminar a gravação, mais uns poucos dias para o lançamento do disco e depois vamos para casa. Prometo."
Aquele tremor dos ombros: era sempre assim quando ele sentia mágoa, incerteza, dúvidas; gesto incontido, como uma perguna dirigida diretamente a ela "o que é que eu faço agora...."
Ela volta a esconder o rosto dentro da coberta. Sabe que as mãos dele estarão desenhando no ar, como dirigindo a orquestra, todos os argumentos e suas paixões, todas as promessas e suas paixões; todas as reivindicações e suas paixões...
"Quando voltarmos vou pedir emprestado o barco de meu irmão e vamos passar uns dias na ilha. Que tal?".
Uma pausa.
"Podemos até casar, quer? Afinal, depois de tanto tempo... quer casar?..."
Só o crepitar do resto da lenha entre as cinzas rosadas.
"Mas por quê? Por que, o que foi? O que acabou? Não pode ser..."
Ela tem toda a munição para aquele adeus, mas prefere ser desarmada. Sentada ainda ao lado da lareira, olhos fixos nos arbustos do jardim, sente seu ombro e seu braço congelarem contra as vidraças, como se ela realmente estivesse encostada lá procurando os rododendros azulados que só voltariam a brotar na primavera.
O que dizer, como dizer?...Como fazê-lo entender?...O silêncio basta?
O sótão. As malas no sótão.
Amanhã.
Terei coragem amanhã?...