quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

"AMOR E DESAMOR" - Conto

"Há quem ama, quem ama muito, que ama mais.
E quem ama melhor"
Jean Cocteau (1889-1963?), poeta, escritor, cineasta,
dramaturgo e cenarista. Para Jean Marais, ator

Foi como uma tempestade, poucos minutos de um frenético agitar de corpos, de curtos suspiros projetados ao teto, numa procura quase raivosa de alcançar o nada. Depois, o silêncio. Ela, imóvel, olhos fechados na penumbra do quarto. Ele acaricia os pesados cachos morenos da mulher e volta a chegar-se a ela num susurro: " Você vê? Nós nos amamos, ainda nos amamos."
Sua mão desce pela face e sua palma descança no travesseiro dela. Está úmido. Seus dedos correm de novo para o rosto dela e agora ele sabe. Num súbito apoiar-se no cotovelo, volta a olhá-la diretamente, face a face: "Você está chorando..."
Olhos fechados, no abandono dos ombros, a resposta dela se perde antes de alcançar o silêncio.
Ele insiste: "Por quê? Por quê?..." e quase não reconhece a voz que lhe diz: "É só isto que nos resta..."
Calmamente ela alcança a beira da colcha que recolhe em volta dos ombros, lentos passos na direção da lareira; o esperma que lhe desce pelas pernas nunca havia-lhe encomodado: cheiro de terra molhada por chuva de verão, cheiro de semeadura, sempre o sentiu assim. Como as outras mulheres o identificam? Hoje ela esqueceu.
Sentou-se no tapete, testa sobre os joelhos, o resto do corpo dentro da escuridão da coberta: os olhos, agora abertos, mal percebem o contorno de seu corpo nu encolhido em si mesmo. Sentia as faiscas da lareira soltar pequenos estampidos quebrando o silêncio, pesado, aterrador. Levantou o rosto. Percebeu a chegada do homem, agora sentado bem em frente a ela, de costas para aquela janela retangular, sem cortinas, que se projetava para dentro do jardim. Nu, pés planta contra planta, joelhos afastados, pênis deitado no tapete, ombros tremendo.
Ela continua olhando, bem acima do rosto dele, a nevasca que silenciosamente esbranquiça as vidraças.
"Você sabe, faltam só duas semanas para terminar a gravação, mais uns poucos dias para o lançamento do disco e depois vamos para casa. Prometo."
Aquele tremor dos ombros: era sempre assim quando ele sentia mágoa, incerteza, dúvidas; gesto incontido, como uma perguna dirigida diretamente a ela "o que é que eu faço agora...."
Ela volta a esconder o rosto dentro da coberta. Sabe que as mãos dele estarão desenhando no ar, como dirigindo a orquestra, todos os argumentos e suas paixões, todas as promessas e suas paixões; todas as reivindicações e suas paixões...
"Quando voltarmos vou pedir emprestado o barco de meu irmão e vamos passar uns dias na ilha. Que tal?".
Uma pausa.
"Podemos até casar, quer? Afinal, depois de tanto tempo... quer casar?..."
Só o crepitar do resto da lenha entre as cinzas rosadas.
"Mas por quê? Por que, o que foi? O que acabou? Não pode ser..."
Ela tem toda a munição para aquele adeus, mas prefere ser desarmada. Sentada ainda ao lado da lareira, olhos fixos nos arbustos do jardim, sente seu ombro e seu braço congelarem contra as vidraças, como se ela realmente estivesse encostada lá procurando os rododendros azulados que só voltariam a brotar na primavera.
O que dizer, como dizer?...Como fazê-lo entender?...O silêncio basta?
O sótão. As malas no sótão.
Amanhã.
Terei coragem amanhã?...

2 comentários:

Helga disse...

Esse blog é especial por inúmeras razões. A começar pela autora que é uma senhora que soube amadurecer sem perder a ternura. O que por si só, já é fantástico.
Mas esse texto, esse texto em especial, é daqueles para abalar o nosso mundo interno!E fazer a gente seguir pensando!
Parabéns Sra. Bruna!

Vou vir sempre aqui!

b'js da sua amiga que ainda é um bebê de 26 anos!

Helga

André Braga disse...

Bruna, esse conto cairia como uma luva naquela seleção de contos 'amor e desamor'. Quando li esse lembrei daquele 'cartaz' que você apresentou em outra oficina.

Tem um site - www.escritorassuicidas.com.br - que publica contos, poesias... e que é possível colaborar. Vou ver qual é o tema de abril e te falo. Com certeza irão publicar algo seu, não tenho dúvidas.

bj