sexta-feira, 17 de outubro de 2008

CARTA A ÉROS

Eros, eu não te conhecia.
Não sabia do teu cabelo liso, negro, comprido o suficiente para recolhê-lo atrás das orelhas.
Bastou eu perceber a intenção do teu olhar: vi teus braços jogados para trás, onde teus dedos, longos e nervosos, se agarraram à suéter negra, arrancando-lhe as costas e passando-as por cima da cabeça, descompondo-te as mechas.
Por um momentio o emaranhado de lã cobriu deu peito, enquanto teus braços continuavam
presa daquelas mangas pretas.
Uma mão no ar, depois a outra.

Aí eu soube quem era você.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A ERA DOS CARACÓIS, Crônica

(Para Benedito, caracol respeitoso, amigo novo, cílios espessos, olhar sábio)

O caracol é um bichinho estranho, sem pernas, alonga-se pela terra deixando atrás de si um rasto espumoso, feito barco no mar. Carrega nos costas sua casinha, leve e cheia de desenhos concêntricos em tons de ocre. Afinal é um simples molusco: lesma, com ou sem concha bem pequena e arredondada; caramujo terrestre ou aqüatico, com concha mais resistente; e os caracóis mais comuns, um tanto menores que os caramujos, com concha mais frágil. Algumas das espécies são até comestíveis, verdadeiras iguarias que, servidos em pratos especiais, exalam alho e mudam de nome para escargot. Existe mesmo um tal de Caracol de Pascal, que é só conhecido por grandes especialistas em geometria, ciência à qual o Sr. Pascal deve ter contribuido com seu estudo sobre o cálculo de distâncias em lineas concêntricas. Tudo isto só por ter ouvido falar.
Enfim, preciso me lembrar de consultar minha amiga Neuza a respeito, visto que o assunto caracol parece restrito mormente a biólogos. Mas só parece. Bem rapidamente teremos que consultar antropólogos e especialistas comportamentais pois, de uns tempos para cá, caracóis estão invadindo ruas, praças, metrô, ônibus, cidades inteiras. Em todo lugar há caracóis; e o mais estranho é que eles são bípedes! Melhor ainda: dá para identificar quais são mais inteligentes e mais respeitosos do próximo.
Explico: a maioria, sem raciocinar, carrega - como a natureza e os fabricantes ensinaram - sua casa nas costas. Dizem que é em benefício da espinha dorsal. Que espinha se são celenterados?...
Há outros porém que acabam carregando suas casas não nas costas, mas no peito: claro, assim seu manuseio torna-se mais fácil, melhor para protegê-las dos larápios, e finalmente, é melhor para manobrá-las sem atingir o próximo mais próximo. Com os apertos das conduções, todo próximo é mais do que próximo do próprio próximo.
Os que insistem em carregar a casa nas costas vivem golpeando, a cada virada, seu vizinho de trás. Outro dia vi uma moça bonita, um tanto baixinha, levar na cabeça - e nos óculos - a casa de um brutamonte que, não tendo percebido nada, nem pediu desculpas.
É claro que os jovens bípedes que vão à escola, devem poder carregar em suas casinhas, livros, cadernos, lápis, merenda. Mas, pergunto: os adultos precisam carregar toooda sua casa nas costas? Mil bolsinhas, compartimentos, ziperes dentro e fora: acham sempre o que querem? E tem sempre SÓ o que precisam?
Veio-me uma última pergunta: ao chegar à noite, esvasiam aquela casinha retirando tudo aquilo de que não precisarão amanhã?...
Caracóis por caracóis, antes de estar entre eles sempre alerta para não ser agredida, sinceramente prefiro sentar à mesa e regalar-me com eles, ao molho provençal, com bastante alho.

HINO À VIDA, por Rodrigo Leão à Manuela Marques Trotta

(Achado no Metrô, agora dedico no começo do módulo "Eros", aos antigos coilegas com carinho e aos novos colegas a título de boas vindas)

A vida é um milagre: saber levá-la com simplicidade,
honestidade, dignidade, amor e compaixão,
é um milagre dentro de um milagre.
Nessa jornada dificílima, só temos uns aos outros e nada mais.
Para todo perigo haverá uma sorte;
para todo percalço uma chance;
para toda sombre haverá um luz;
para todo problema, uma solução.
A vida é o oposto do nada.
Quem tem a vida já tem tudo.

TEATRO MUNICIPAL

(Para Neuza, que estimula nossas memórias com as suas)

Majestoso mesmo quando havia bondes passando à sua frente.
Imponente sentinela sobre um vale que chama à serenidade para quem consegue esquecer o barulho do trânsito. À noite, quando iluminado, esbanja suas formas hermoniosas.
Houve tempos em que era iluminado todas as noites, mesmo sem óperas ou concertos.
Houve tempos em que, ao passar em sua frente, eramos instigados a olha-lo e apreciar suas linhas e seus detalhes. Houve tempos em que, além de tudo isto, ele era o panorama arquitetônico e musical que coroava o fim da Rua Barão de Itapetininga que foi reduto, dia e noite, de elegância e intelectualidade. Era lá que desfilava a beleza e a riqueza não só da cidade, mas do próprio País. Era lá que uma Cristine Youfon, talvéz a primeira mulher que alcançou no Brasil notoriedade e respeito como modelo, esbanjava sua beleza e charme orientais, desafiando a classe e a elegância das Marjorie Prado da hora. No meio das boutiques de luxo, confeitarias e casas de chá tinham serviço esmerado e frequentemente pianistas e violinistas a partir das cinco da tarde.
Hoje em volta dele, almoça-se em lanchonetes e bancas improvisadas que vendem pedaços de bolo e café; compra-se de tudo em camelôs, do guarda-chuva ao CD falsificado; passa-se correndo, sem dar-lhe mais tanta importância: a maioria das pessoas nunca entrou no teatro e talvéz nem tenha sua curiosidade aguçada imaginando como seria por dentro.
Mas o Teatro Municipal está aí, firme e bonito, privilegiando os desejos de uns poucos que gostariam de ser músicos, cantores ou bailarinos, de serem ricos o suficiente para ouvir ao vivo a música que agora só recebem por MP3 indo ao trabalho ou voltanbdo dele.
E enquanto houver sonhos, ele estará aí, majestoso e imponente, objeto e miragem de raros desejoss, exalando arte.

ODE À MAÇÃ

(para Tiago e sua receita de torta de maçã
a ser degustada ao som da bossanova)

Grande, pequena, vermelha, alaranjada ou verde.
Rústica, com seu cabo ainda preso numa covinha enferrujada.
Ou limpa, pálida, brilhante e lustrosa como bilhas preciosas.
Suculenta, farinhenta, doce ou acídula.
Empilhada em pirâmide, coberta de papel de seda
ou protegida por luva de rede macia.
Não importa como.
Não importa a origem nem o nome fantasia
que o marketing lhe cria.
Atravessou mito, estórias e histórias:
de uma Eva aliciada por Adão
à Branca de Neve na mira da bruxa,
de Paris para Vênus, contra Juno e Minerva,
a Guilherme Tell em desafio ao invasor
para a independência helvética.
Maçã é também o fruto que Rafael quis,
num tríptico de altar genovês,
que Madalena oferecesse a Cristo.
Ela é rainha em naturezas mortas
entre tachos de cobre, vasos de flores e cachos de uva,
desde os clássicos Holandeses, Renascentistas
e até os Impressionistas.
É tema de filmes, de contos, de feiras.
Desde sempre mãos maternas a abrigam em concha,
metade de cada vez, raspando com colher
as primeiras sobremesas.
E continua na nossa mesa,
alimento dos mais saudáveis.
Freqüenta os menus mais sofisticados
em todas as línguas do planeta:
da nossa torta de maçã à apple-pie,
do apfelstrüdel à tartetatin,
com sorvete, chantilly ou coulis de raras frutas vermelhas.
Maçã! uma fruta e tanto!
Até pronunciar a palavra ma-çã
nos dá a sensação
de estarmos abrindo a boca na primeira sílaba,
para dar uma gostosa mordida na segunda.
Privilégio e prerrogativa só de nosso idioma