terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

FAHRENHEIT 451

MONTAGEM PARA A FORMATURA DE NOVOS ATORES

NO TEATRO-ESCOLA CÉLIA HELENA


Jovens, empenhados, vibrantes, emocionados. Merecedoramente aplaudidos. Eu estava lá, inveterada amadora do teatro a todos os níveis, e gostei. A meninada mereceu. A Cenografia interessante ocupou os espaços do palco com bastante propriedade. Já a Iluminação, apesar de ter usado muito bem as luzes vermelhas para enquadrar a violência ideológica que condena a cultura, deixou frequentemente demais na sombra os rostos e suas expressões. A Preparação Corporal trabalhou em favor de composições grupais que, em momentos de intencionais imobilidades, pareceram retiradas de pinturas que nos remeteram às mais íntimas e longinquas reminiscências de museus. De grande efeito, portanto. Entretanto a Trilha Sonora, mesmo bem escolhida, na maioria das vezes entrou em tom alto demais invadindo o espaço verbal tanto do coro quanto dos personagens. Aí foi que a Preparação Vocal pareceu pecar. Entre as moças a maioria delas, na preocupação de falar alto o suficiente para alcançar a platéia, acabou transformando a própria voz em sons tão estridentes que chegaram a prejudicar a compreensão da fala. Portanto aí houve algo deficiente na impostação vocal (internamente à boca) e sua projeção (no ato de sair): são dois recursos a serem trabalhados em dois tempos, além da articulação. Nem todos os atores tem um potencial vocal do porte de Arthur OLiveira Santos (Montag 1) ou de Hugo Reis (Montag 2), de longe, nesse quesito, os melhores em cena. Não entendemos terem sido alternadas a interpretação do mesmo personagem por dois bons atores diferentes. No meu ver ambos foram prejudicados: OMontag 1 foi tolhido da transformação do personagem de "brain-washed ativista" para sua humanização cultural, com as nuances necessárias para que sua postura física e expressiva revelasse a transição. O Montag 2 já nasceu humanizado e só nas falas revela seu "estado-obediência cega" anterior. A alternância dos personagens prejudicou mais os atores do que a platéia pois os interpretes deixaram de evidenciar o amadurecimento do ator/personagem, em quanto a platéia teve um prato servido que conseguiu degustar logo após uma fração de segundo de hesitação. Muitos dos formandos terão excelentes carreiras se a enfrentarem com paixão e perseverança, com coragem e desprendimento. E sobretudo com humildade. Pena que assisti ao último espetáculo: teria gostado talvez de rever detalhes, saborear de novo alguns momentos surpreendetentes na cenografia, a movimentação das estantes, a gesticulação delicadíssima com que algumas atrizes folhearam os livros, o aparecimento refrescante de Aldonza a um Dom Quixote demasiadamente circense pelo excesso de caracterização. Mas teatro é isso: um espetáculo ao singular.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O CLUBE DOS ANJOS - G U L A

Autor: Luis Fernando Veríssimo

Editora: Objetiva 1998


Lindo: esse livro deveria ser vendido e exposto em Galeria de Arte, com direito a vernissage e tudo mais. Na capa mil vermelhos se cruzam, se perseguem, se atropelam, com e sem contornos, com e sem intensidade, às vezes parecendo sombras, outras em fuga a fora...e a dentro das lapelas. O título, em letras brancas e finas estão aprisionadas pelas palavras "GULA": quatro letras em relevo,transparentes e luzidias, quase imperceptíveis mas presentes e intrigantes a abrir a curiosidade dos dedos de quem o manuseia pensando se irá comprá-lo. Antes de encontrar o texto, mais duas páginas de pretos e vermelhos mais intensos onde descobre-se uma coroa de cajus a contornar pratos, sempre pretos e vermelhos, de estilos diferentes, num dos quais um pássaro parece gangorrar-se com olhar suspeito. Ao folhear mais, a primeira página de cada capítulo é impressa em branco sobre fundo preto com letras surpreendentemente blown-up. Na última página de cada capítulo, sobrando espaço - em preto sobre branco, com letras normais -aí estão, de novo, em desenhos cinzentos, quase transparentes, os cajus, alguns pratos e hieroglifos em forms de folhas. O curioso já resolveu comprar o livro. Ao pesquisar os colaboradores daquela edição tão atraente, impossível não aplaudir Victor Burton, responsável pela capa e projeto gráfico. E uma Beatriz Milhazes, a quem se dá crédito de "ilustração da Capa GULA" SIC!...então a palavra GULA não fazia inicialmente parte do título que o Veríssimo lhe dera? Ele ganhou um presentão! O agora feliz dono do livro dispensa até o embrulho e a sacolina plástica da Livraria...oops, da Galeria! No assento do carro, ao seu lado, o intenso e fantasioso colorido ocupa o espaço de uma nova namorada. Esta noite estará muito ocupado... Ah, sim, mas: e o livro? Quem sou eu para estar resenhando um Luis Fernando Veríssimo...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

GUESS...

Faz muito calor. Três horas da tarde, sol a pique e o trânsito não anda: só dez metros de farol em farol. Resolvo desligar o motor a cada sinal vermelho para que o carro não esquente tanto. Também, quem manda ter a malograda idéia de voltar do centro da cidade nesse horário... Por sorte, de dez em dez metros acabo chegando ao ponto onde as árvores de cada lado da Nove de Julho se encontram, se abraçam, me cobrem com alguma sombra. Por que ainda tenho um carro? Vou vendê-lo o mês que vem, aplico o dinheiro para andar só de taxi quando for absolutamente necessário. O 4x4 de placa vermelha à minha frente tenta uma manobra para colocar-se no corredor dos ônibus e, quem sabe, assim entrar no túnel com mais facilidade. E não é que ele consegue? Agora estou atrás de um Ka, pequeno, igualzinho ao meu. Que bom: por falta de volume visual à minha frente, tenho a impressão de poder respirar melhor, consigo até ver o céu. Lá em cima os predios parecem me olhar com paciência, quase com compreensão. Um deles, o mais baixo, parece diferente: nossa! Será que vão demoli-lo? Até os vidros todos já tiraram! Através do vazio dos janelões vejo o céu azul e olha: tem até algumas nuvenzinhas! Será que mais tarde chove? A luminosidade do dia apazigua minha alma, minha irritação, meu bufar. Pelo menos o começo daquela demolição me alegrou. Olho de novo para ela... Deus...Não é nada disso! Nossa, que bonito!