Meu café está esfriando.
Culpa da moça que acaba de passar por aqui
levando na coleira um labrador loiro, com a calma de quem não vai a
lugar nenhum a não ser passear seu cachorro. Alpargatas coloridas,
camiseta e bermudas, nenhum enfeite, nem bolsinha; nada, só o
cachorro.
Passou e não consegui ver-lhe os olhos: o sol
diretamente no rosto, pálpebras ligeiramente franzidas, narizinho
reto, impertinente.
Fico torcendo para que ela volte pelo mesmo
caminho para vê-la contra o sol. Ou será que ela já estava
voltando...
Ansiedade estranha essa, que me faz esperar de
revê-la. Como se sua passagem tivesse-me desafiado a um duelo de
recordações e eu, ao recolher a luva, tivesse-me perdido nelas.
Tomo meu café frio, peço mais um e uma torta
de maçã para amenizar a espera; tenho a impressão que a
garçonete, agora, me olha de forma diferente.
O que estou fazendo eu, vestida desse jeito...
Não trabalho mais, mas saí de casa ao completo: meias, maquiagem,
pulseiras, bolsa. Para sentar ao sol no café da esquina!
Nunca fiz isso antes.
Mas algo assim já aconteceu. Naquela noite na
estação, via o céu ainda estrelado antes que o trem começasse
a correr enfiando-se na neblina. Uma imagem na plataforma, feito
epifania, havia ficado na minha retina: a menina com um cachorro, mas
era poodle abricó.
Agora tenho a impressão que ela está
voltando, mas ainda não quero olhar. Terminada a torta, rapidamente
tomo o café e fecho os olhos, cansada.
Ao abri-los me encontro naquela rua arborizada,
com uma menininha ao lado que se parece com minha filha. Pode ser ela
afinal, antes de crescer e ir-se, longe, onde tornou-se a mulher que
eu não vi amadurecer, onde ela não me viu envelhecer.
Mas a moça que agora volta a passar na minha
frente, tem olhos claros; casualmente olha para mim e sorri. Sorrio
de volta e tenho vontade de perguntar-lhe o nome: sei que
reconheceria a voz, mas prefiro não ouvi-la.
Pago a conta e saio andando no sentido
contrario.
Agora sou eu quem caminha com o sol nos olhos,
mas tenho óculos escuros para me refugiar.
4 comentários:
Bruna, que delícia esse seu texto. Um toque de melancolia , a imaghem da filha presente na menininha ...me senti sentada ao seu lado no café da esquina. Você sempre elegante. Que bom! bjs san
Que texto lindo! Tocante.Beijos.
Um texto que prende o leitor o tempo todo. Cria tensão. Final interessante.
Hum...bem sensível este texto. E sintético ao mesmo tempo! A maravilhosa Bruna em sua melhor forma.
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