quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

VIA CAMILLA, Uma rua de minha infância

Para Andrea que tem, num porta-retrato, a vista da janela do seu
quarto de criança e adolescente.

Cloct-cloct, cloct-clottt
Casco de cavalos em paralelepipedos
Cht-cht, grrrrgrrr, ggrrrrtt.
Rodas de aros altos, carruagens patrícias.
Não há mais. Já não havia.
Mas lá estão ainda altos portões duplos,
fileira de ferro pontiagudos
na base de carvalho envelhecido,
grande argola de bronze puído: tóquete-tóquete-tóquete,
só as crianças batiam: pura provocação.
Metade das portas sempre abertas,
à noite fechadas: correntes terminando em estribos
para tocar o sino, lá dentro.
Calçadas interrompidas,
arredondadas em frente às entradas, paralelepípedos
entrando nos pátios internos onde janelas olham
para baixo, fragmentos de mármores antigos
entre gramas e giéstas.
No meu: um pinheiro de gestos largos a roçar os vidros.
Haviu quatro prédio asssim, quatro andares,
na calçada do trecho onde morei.
Rua curta, duas quadras. Só três na calçada em frente.
O espaço que sobra, não estava vazio,
pequeno jardim, bancos e balanços:
tabuletas de carvalho em correntes de ferro
caindo de pinheiros generosos, araucárias antigas.
TTTTrrrrr-tttttrrrr gum-gum,gum-gum,ttttrrrrgumm
Cuidado, cuidado, não tão alto! Cuidado!
Vamos, está na hora!
Corrida de sapatinhos, botinhas de couro, gritinhos.
Reclamações: Tchau, tchau... Depois, quase o silêncio.
Mais um ploct-ploct-ploct: a bica d`agua não pára seu pingo.
Ele desce pela grade fundida, quase esculpida no chão: SPQR.
Senatus Populus Que Romanum.
Ah! Vespasiano das cloacas e da rede de fontes nascentes.
Dávida perene!
Não importa não haver árvores outras. Só uma, na quadra de baixo.
Carvalho antigo, onde termina a rua,
à beira dos trilhos de um trem. Que trem? Onde vai? De onde vem?
Que bom que alí a rua termine.
Só nossas crianças chegam aos mil pés do velho carvalho,
catando as grandes folhas que o outono despeja
para acarpetar os nossos presépios.
E as lindas glandes: chapeuzinhos miúdos, durinhos, cheirosos,
a encaixar-se, enfiados um no outro, para colares e lindas pulseiras.
E, pintadas de vermelho e dourado,
a enfeitar em pequenas guirlandas, nossa árvore de Natal.
Carvalho é árvores fechada: debaixo dele, escolhendo lugar,
tem frestas sonhadoras, às vezes brancas de nuvens,
outras douradas de sol. Adeus carvalho, adeus! Tenho que ir.
" Traga o pão bem fresquinho, aquele cumprido que o pai gosta!
Ah! lanche esperado, recheio de figo fresco,
doce mistura de presunto, cru e rosado,
branca gordurinha suculenta a dispensar manteiga.
Padaria perfumosa aquela: único comércio da rua,
balcão alto demais, na ponta dos pés a indicar,
braço e dedo em riste: Aquele, não aquele! É é isto!
E ao entrar, cheia de sabores, molhando a garganta,
saliva fresca e apetitosa, fechava o olhos,
na esperança de não encontrar, fácil àquela hora,
a vizinha ruiva, gorda gorda gorda,
rosto e pescoço, braços e pernas, tudo enferrujado de sardas,
a exalar um vago cheiro de peixe.
"São as sardas, minhas filha, tenha dó, são as sardas.
Dona Santa é mulher limpa, tenha dó. E cumprimente,
cumprimente sempre, que é pessoa educada"...
"Boa tarde Dona Santa, mamãe manda lembranças..."
E sair, rápida, para ao ar puro, fresco de pão,
correr, chegar ao jardim. Que alívio!
O cheiro silencioso dos pinheiros, o pingo gostoso da fonte.
Ploct-ploct-ploct
Senatus Populus que Romanum
Via Camilla, bairro Alberone.
Pinheiros de Roma, Fontes de Roma.
Respighi viveu por aqui.
Certamente...

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