Este espaço, Bruna, é para que se divirta e publique tudo o que te der na telha! Beijo da amiga Karen Kipnis.
Quem Sou Eu
ESCREVIVENDOMEMÓRIA 2008
QUEM SOU EU
O fabuloso “Borges e eu” me constrange pelo pouco “autor” que sou, mas não me intimida. Seu texto vem de encontro a uma minha convicção antiga: nós somos muito mais o que os outros acham que somos do que aquilo que pensamos ser. Frequentemente, e aos poucos, quase imperceptivelmente, nos transformamos de acordo com o que é esperado de nós, abdicando de nossa espontaneidade. Nunca saberemos, de verdade, nem poderemos dizer, de verdade: eu sou tuuuudo isto? Eu sou sóooo isto?.... Sem ter personalidade pública a proteger, assim mesmo, todos nós temos nossa pequena platéia: nosso núcleo familiar, nosso “entourage” de amizades, de trabalho, de lazer, ou de estudo, como este aqui, nesta sala barulhenta, finalmente clara. Para que definir-me? Mesmo que conseguisse “a la Borges” uma descrição abstrata de mim mesma, só lhes passaria a imagem que eu penso ter. Para que, agora, dar a entender o que sou quando, um dia, poderei fazer uma descoberta muito mais valiosa? Cobrar de vocês: quem é a Bruna, além da imponência do seu nariz, do incômodo de sua surdez e da veemência de suas convicções? Fico, portanto, com meu texto inicial escrito em classe: aquele pouco que o pouco tempo me permitiu rabiscar numa caligrafia que, ficou provado, ninguém consegue ler.
Eu sou a minha memória. Ela me fez, com seus acertos, suas pequenas conquistas e pequenas tragédias, o que eu sou hoje. Portanto, minha memória é sinônimo de presente. Houve, sim, memórias que foram encerradas no arquivo de cada acontecimento, de cada ocasião; portanto memórias-passado. Mas as memórias-presente criam um acervo em renovação: nele estão, prontos e alerta, os projetos ainda não realizados, as etapas planejadas para o “daqui a pouco”, para o “assim que for possível”, para o “é agora ou nunca”. Eles já formam o que espero que se torne a memória-futuro, e é ela, minha memória-futuro, que impulsiona minha vida. Vida é isto: um eterno olhar para adiante, sempre adiante; melhor, sempre melhor; novo, sempre mais novo. As descobertas diárias são o que fazem a gente ser o que a gente é, e é assim que sou.
Borges e eu- texto do Jorge Luis Borges, in: O fazedor.
Borges e Eu
O outro, o que chamam Borges, é aquele a quem as coisas acontecem. Caminho pelas ruas de Buenos Aires e paro por um momento, talvez algo mecânico, para olhar para o arco de corredor e para a ferraria elaborada no portal; sei de Borges pela correspondência, vejo seu nome numa lista de professores ou num dicionário biográfico. Gosto de relógios de areia, mapas, tipografia do século dezoito, o gosto do café e a prosa de Stevenson; ele compartilha dessas preferências, mas de um jeito vaidoso que as transforma em atributos de um ator. Seria um exagero dizer que o nosso relacionamento é hostil; eu vivo, me permito continuar vivendo, de forma que Borges possa produzir sua literatura, e sua literatura me justifica.Não é nenhum esforço para mim confessar que ele tenha atingido algumas páginas de valor, mas estas páginas não poderiam me salvar, talvez porque o que é bom não pertença a ninguém, nem mesmo a ele, mais provavelmente à língua e à tradição. Além disso, meu destino é perecer, definitivamente, e somente algum instante de mim pode sobreviver nele. Pouco a pouco, dou tudo a ele, apesar de totalmente consciente de seu costume perverso de falsificar e aumentar as coisas. Spinoza sabia que todas as coisas anseiam persistir sendo o que são; a pedra quer eternamente ser uma pedra e o tigre um tigre. Permanecerei em Borges, não em mim mesmo (se é verdade que sou alguém), mas reconheço menos de mim em seus próprios livros do que em outros muitos ou no hábil dedilhar de um violão. Anos atrás tentei me libertar dele e fui das mitologias aos subúrbios aos jogos como se dispusesse tempo infinito, mas estes jogos agora pertencem a Borges e eu tudo perco. E tudo pertence ao esquecimento, ou a ele. Não sei qual de nós escreveu esta página. Jorge Luis Borges
BORGES, Jorge Luis. Borges e eu. In: O fazedor. São Paulo: Difel, 1985
ESCREVER
Faça-me o favor: não fale, não abra a boca. Corra para a mesa, papel e caneta, e escreva. Cuspa sua raiva, seu desespero, sua mágoa, seu desgosto, sua amargura, sua lástima, sua pena. No papel, preto no branco. Vomite todos os palavrões que lhe surgem, blasfeme se precisar,acuse, ofenda, defenda-se, recrimine. Soluce as palavras que editam suas lágrimas. Seja prolixo, diga tudo até o esgotamento de seu pranto. No papel, preto no branco. Esgote todo argumento, toda reivindicação,toda comparação, toda chantagem. Esvazie-se, esgote-se. Mais folhas. Mais folhas. Mãos que tremem, até parar. Leia tudo de novo. Palavras ilegíveis, escritas por quem? Pense. Transforme sua caneta em tesoura e pode. Leia e pode. Frases relidas enfraquecem a raiva. Pode. Razões amansam. Pode, desbaste, apare. Corte. O sangue esfria, palavras perdem força. Pode, desbaste, apare. Corte.Rescreva.Corrija. Corte.Rescreva. Bolas de papel ao seu redor. Papel picado no cinzeiro. Folhas novas quase vazias. No fim, duas simples frases. Uma de mágoa, outra de perdão. Está lá, nas folhas mal amassadas, nos confetes de uma cor só, a briga que não houve. Porque a voz é indelével.
Romana, residente no Brasil desde l950, sempre escreveu com gosto; há dez anos começou a freqüentar oficinas e assumiu o compromisso consigo mesma de escrever algo todos os dias. Hoje, aos setenta e quatro anos, está feliz de ter encontrado uma Karen Kipnis, orientadora dedicada, que a incentivou ao blog, em que ainda é principiante, mas determinada a deixar de herança – para sua única filha – um pendrive!! As cidades que mais ama: Roma, Veneza, São Paulo, Estocolmo, NewYork e os pintores que lhe falam mais são Picasso, Cuevas, Rauchenberg, Hundertwasser, - Mantegna, Signorelli, Bruegel, Manet.
Um comentário:
Até lá, minha querida ...Ah, teremos o Workshop sobre o Projeto Escrevivendo antes, em 29 de abril.
Te espero às 15 horas na Casa das Rosas.
Beijos,
KK
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