quinta-feira, 27 de maio de 2010

NÃO POR ACASO, Resenha do Filme

Brasil 2007
Diretor: Philippe Barcinski
Atores: Leonardo Medeiros, Rodrigo Santoro, Rita Batata,
Blanca Messina, Letícia Sabatella

Recentemente descobri que Kely Cristina S.Felicio, comentou no meu blog, que o meu conto "O Espelho" lá publicado, teria-lhe lembrado o filme "Não por acaso". Já havia visto esse filme, havia gostado muito e, apesar de não ver muita atinência entre ele e minha estória, e justamente por isso, fiz questão de voltar a vê-lo. Continuo não conseguindo seguir o raciocínio da Kely (tão gentil e carinhosa...) mas o filme me impressionou mais ainda. Lembrei de, na ápoca, ter achado estranho que um filme tão bom tivesse ficado tão pouco tempo em cartaz. Agora, num ímpeto publicitário (!), faço questão de divulgar minha resenha para que, quem sabe, alguém se interese em exuma-lo...


Eis aí um filme pra lá de minimalista. Personagens enxutas, ações simples, instintivas, lógicas dentro da logica de cada personagem, diálogos econômicos, tomadas de exteriores de grande impacto visual. Tudo privilegia o aflorar de sentimentos sem que ninguém os mencione. Cada ação é uma descoberta, cada reação é reveladora, cada pequena decisão repentina parece ser o obvio sem sê-lo. Tudo com muita parcimônia, muita delicadeza, sem pieguice.
Num acidente de trânsito morrem duas mulheres que não se conhecem e esta tragedia atinge dois homens que, também, não se conhecem, não se encontrarão jamais e não tem, nem terão, nada em comum.
O filme acompanha as reações e a evolução dos temperamentos dos dois homens cujo comportamento e atitude - e só comportamento e atitude - revelam ao espectador o caráter e o perfil deles. Nenhum deles fala de si mesmo para ninguém, não há dialogos que adiantem pistas nem acontecimentos surpreendentes que lhes arranque "identidade" reveladora.
É uma história simples: a ex-mulher de um solitário controlador de trânsito atropela uma moça matando as duas.
A morte propiciará ao ex-marido a aproximação com a filha adolescente. O namorado da moça atropelada, continuará a excercer suas atividades de artesão de mesas de sinuca, com a mesma paixão tranquila, com o sentimentalismo romântico que lhe é intrínseco e, eventualmente, transferindo tudo isso para uma nova mulher, não à procura de uma substituição, não por ela ser algo novo e especial, (que ela realmente é), mas para dar continuidade àquilo que ele é e sempre será.
O elo importantíssimo das duas estória é a cidade de São Paulo, pictoricamente lindíssima, mas analiticamente fria. Seus viadutos, seus cruzamentos, seus pontos nevralgicos, assustadores.
A ausência do contato entre as personagens das duas estórias pareceu-nos o grande "achado" de Barcinski que teve uma fuga saudável da "coincidência" cinematografica que entrelaça estórias paralelas. Se em "Crash" foi usada magistralmente, por outro lado prejudicou o resultado de "Babel" apesar do excelente Iñarritu. Já não era sem tempo que alguém se despisse daquela formula já bastante gasta e, de qualquer forma, muito difícil de não parecer forçada.
Rodrigo Santoro tem um desempenho primoroso: seu contido comportamento perante a tragedia que o abalou, transcende as parcas lágrimas que ele derrama silenciosamente sobre a madeira que trabalha com expressivo carinho e leveza apesar das mãos pesadas de calos e colas. Sua naturalidade em repetir, para com outra mulher, os gestos e movimentos habituais no trato da namorada morta, trasborda a simplicidade que moldou sua vida desde sempre e deixa aflorar a dedicação humana que será sempre o "leitmotiv" de sua vida. O roteirista deu à sua personagem um final surpreendente cuja força, aí sim reveladora, dá enfase ao gesto que o ator consegue magistralmente demonstrar espontâneo: na frente da porta do apartamento da nova mulher, ele ajeita no chão, com toalinha e tudo, o café da manhã que falhou em preparar quando ela o pedira. Uma pena a escolha de Leticia Sabatella no papel. A câmara e o som na televisão são mais complacentes e menos delatores do que no cinema.
Agradável surpresa foi a maturidade da jovem Rita Batata no papel da filha do controlador de trânsito, um Leonardo Medeiros convincente. De solidão dilacerante, sua descoberta em poder dividí-la com uma filha que mal conhece, transforma-se em determinação. O final, no passeio de bicicleta a dois no viaduto liberado para o lazer nos fins de semana, resgata a humanidade de uma cidade árida que, a partir daí, passará a ser vista por ele, até no seu caótico monitor, com olhos de uma nova esperança.
Há muito não se via no cinema nacional um filme tão despretencioso, tão singelo e tão sincero.
Justamente por isso tão significativo.

Um comentário:

concha celestino disse...

Bruna,

Belíssima essa resenha, finamente escrita e com sincera admiração. Fiquei muito tentada a ver o filme. Verei-o com certeza!]
Nos vemos no sábado.
~Saudades.
Concha