segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

RESENHA DE FILME "BLUE JASMINE"



Título Original:         Blue Jasmine
Direção:                  Woody Allen
Produção:               USA 2013
Cast:                      Cate Blanchette, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Bobby Cannavale

Nunca fui fã incondicional de Woody Allen. Amei diversos filmes dele, na maioria das vezes quando ele não apareceu como ator: seu ar apatetado declamando as melhores frases do roteiro sempre me irritaram. Mas finalmente em ”Blue Jasmine”, ele abriu mão de insistir em colocar sua “digital” só para que seus filmes sejam reconhecidos, mesmo ele não estando na tela. No meu ponto de vista, aquela mania vem depondo contra ele, como aconteceu em “Meia noite em Paris” (viram como sou culto?...), em “To Rome with love”, tão cheio de lugar comum que foi quase ofensivo, só foi salvo por ele ter filmado em locais que não eram cartões postais!
Em Blue Jasmin, Allen criou (tê-lo criado já um ponto a favor) um personagem pelo qual se apaixonou e concentrou-se nele: entregou-o a uma interprete excepcional que finalmente recebeu um papel à altura de suas capacidades interpretativas: Cate Blanchette. Sempre há um momento importante na vida de um artista, que lhe concede, e garante, a ascensão ao estrelado. Estrelado total, irretocável, indiscutível. Ela fez inúmeros papeis de grande visibilidade, em filmes de boa qualidade e de bons diretores, com indicações a Oscars, (O Aviador, Babel, Benjamin Button entre muitos) mas foi agora que instalou-se definitivamente no escalão das grandes divas de todos os tempos junto às Bette Davis, Ingrid Bergman, Meryl Streep, e – se me permitem – Tilda Swinton, uma atriz incomparavelmente acima das atuais estrelas tão badaladas; faz menos filmes que as outras mas nos poucos impõe-se sem esforço: tudo lhe é natural e “fluido”. Provavelmente,visto seu currículo nos e fora dos palcos da Austrália, ela é uma das mulheres mais eruditas do cinema, de resto como também parece enquadrar-se Cate Blanchette.
É claro que Allen, ao entregar à Cate a Jasmine da historia, contribuiu com a direção e com diálogos inteligentes sem ser educativos, para a interpretação primorosa que ela desenvolveu. É claro que a grande habilidade com que Allen manipulou os flash-backs, contribuiu para a completa compreensão da personagem. Mas é também claro que, de alguma forma, Allen se colocou na personagem de Jasmine: como ele sempre fez em seus filmes, Jasmine também continua tentando viver nos outros ambientes deixando sua “digital” de mulher superior, a quem admiração, respeito e concessões, são elementos devidos.
Não à toa a melodia “Blue Moon” permeia a personagem e o filme. A revelação final que destitue a personagem de qualquer tipo de admiração, é um impacto que atinge o público de surpresa e o leva à mesma pena suspirada pelos versos da canção: “….you saw me standing alone, without a song in my heart, without a love of my own”....
Blue Jasmine é seguramente um dos filmes do Allen que ficarão na minha memória e  que me fez voltar a admirar Allen que vi agora retornar ao cinema-arte, abrindo mão, pelo menos por enquanto, do só cinema-autor.
Espero que Cate Blanchette seja agraciada com o Oscar ganhando de toda e qualquer menininha bonita de primeira viagem como aconteceu no ano passado, pois das grandes atuais ela merece o premio de longe. Em assim sendo, vivas à Blue Blanchette e ao Blue Allen








quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

RESENHA DO FILME " INCH'ALLAH "


Título original: Inch'Allah
Produção: Canadá/França 2011
Direção: Barbeau-Lavalette
Cast: Evelyn Brochu, Sabrina Quadzani, Sivan Levi, Youssef Sweid

Um filme perturbador: desde o começo. Um visual tremido (camara ao ombro), sua iluminação escura, focalização de olhos perscrutadores ao redor da desolação palestina. Assim mesmo, uma analise individualística de quão inútil e desperdiçada a colaboração de pessoas bem intencionadas num ambiente de difícil penetração. Pior ainda: de difícil compreensão. Como penetrar na verdade de um ser humano movido a profundos ideais arraigados por religiões contrastantes da sua e entre elas. Quando se está convencido de estar fazendo todo o possível para ajudar, de repente o “seu” todo possível não é o “todo” para quem o recebe. A médica Canadense que mora em TelAviv para poder prestar serviço humanitário num ambulatório feminino da Palestina enfrenta a toda hora a passagem perigosa e cansativa entre os dois territórios, participa da vida doméstica de algumas pacientes e sem querer entra na angustia daqueles personagens. Um deles, jovem grávida que vive com o filho de alguns 6/7 anos, numa casa sem conforto dividindo o espaço com a mãe, e o irmão, enquanto o marido, preso, aguarda detalhe da condenação. Apesar da instabilidade social e da perpétua insegurança de vida, tanto em Israel, como na Palestina – surgem momentos de relaxamento com encontro dos grupos dos dois setores, cada um no seu, com suas musicas, suas danças, seus bate-papos descontraídos, suas horas de laser, suas concessões para sexo ocasional. Em emergências, pode-se estar a pouca distancia física, mas longe por exaustivos impedimentos políticos, territoriais e sociais. Isto pode acarretar mortes apesar de esforços sinceros, até sobrehumanos. E nunca poderão ser consertadas, nem perdoadas, nem esquecidas.
É um bom filme, tecnicamente deficiente apesar de ser uma produção franco-canadense, que provavelmente fez questão de que a falta da técnica cinematográfica, enfatizasse a falta de clareza de situações que o ser humano tem dificuldade em identificar: demasiadas vezes, o ser humano se perde em si mesmo, a procura do “certo”, do “quando” do “como”.
Interpretações corretas intercaladas por muitos outros personagens evidentemente arrecadados in loco entre habitantes da região. Muito tocante o menino palestino que, sem dizer uma palavra, transita nos acontecimento abanando um manto vermelho, como o super-homem de sua imaginação, enquanto com seu comportamento e seus raros momento de brincar, revela as angustias de crianças sem futuro, a cada momento, arriscadas a não ter mais família.
Vale a pena ver: temos muito que aprender com as inseguranças alheias.

domingo, 26 de janeiro de 2014

RESENHA DE FILME: O LOBO DE WALL STREET


Produção: USA 2013
Direção:    Martin Scorsese
Cast:         Leonardo de Caprio, Jonah Hill et alia


Um filme muito bom. Provavelmente ganhador de diversos Oscars, grandes bilheterias, aplausos, risos e muitas platéias.
A dupla Scorsese-Di Caprio é a combinação de dois dos maiores gênios da atualidade: Um diretor meticuloso, exigente, imperativo - mesmo que frequentemente prolixo – e um ator que já é um “intérprete” por excelência. Vê-los juntos deve ser impactante: um senhor pequeno, quase anão se ao lado de um gigante imponente e atlético de apenas quarenta anos. O primeiro já há tempos “enfant terrible” do mundo cinematográfico, o segundo um ator que já entrou para o escalão dos indiscutíveis “grandes”, daqueles cuja vida pessoal é respeitada e desconhecida: os De Niro, os Pacinos e quem sabe, um dia, os Hanks quando o Tom conseguir se livrar do perpétuo ar de bom moço, passando para personagens contestadores e contestados.
As malversações das Bolsas, das corretoras, das crises econômicas, das fortunas astronômicas e das falências precipitosas no mundo financeiro de Nova York, são trazidas através da vida de Jordan Belfort, em que o filme é baseado. Enquanto comissões vicejam, as finanças estão sendo levadas para a lixeira, mas riquezas, festas orgiásticas, drogas e irresponsabilidades dançam freneticamente. É tudo verdade, foi tudo verdade, e há as inevitáveis intervenções policiais que parecem terminar com a festa: centenas de subordinados na rua da amargura e o grande culpado safa-se com pouca expiação ganhando daí em diante dinheiro – e muita admiração – palestrando sobre o “como” convencer as pessoas a cair na lábia de poucos. “Venda-me esta caneta”. O chavão que parece a porta para uma carreira.
Interessante a curta inclusão de Matthew McConaughley no começo do filme. O ator, habitualmente de formas físicas atraentes e saudáveis, aparece bronzeado, mas esquálido e macilento apesar de sua "mise en scène" esfuziante. Se a intenção de Scorsese, - que o apresenta como  Presidente da Corretora de Bolsa onde Jordan Belford começa sua vida e onde verá o primeiro fracasso do sistema que depois acabará  adotando,- foi um alerta de como o novato poderá acabar, faltou o necessário para dar ao filme o que lhe faltou: o amargo de anos de vida desperdiçados.
Um filme de sucesso, seguramente. Longo demais para mim, alguns momentos que deveriam ser levados mais a sério pela direção, evitando incabíveis risadas da platéia, o pathos de muitas vidas fracassadas. Um diálogo inteligente, um ritmo galopante apesar de parêntesis longas demais, uma interpretação absolutamente magistral.
Entretanto, saí do cinema sem nada.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

RESENHA DE FILME --- A GRANDE BELEZA

Título original:     La grande Bellezza
Produção:          Italia/França 2013
Direção:             Paolo Sorrentino
Cast:                  Toni Servillo et alia

A suntuosidade de Roma foi só pretexto para o filme e seu título. É bem verdade que a fotografia que enquadra a cidade e suas preciosidades, contribuiu para, de alguma forma, distrair – e abstrair – a platéia que, como muitos dos personagens, acabam concordando que naquele cenário, tudo é admissível, compreensível, perdoável. Entretanto paira no filme uma contundente e bem fundada crítica à nossa vida atual, não importa em que cidade, em que país, em que tipo de “nobres” circulamos.
Se o protagonista da história, continua há anos se beneficiando das benesses que lhes são oferecidas pela fama de ser autor famoso - de um livro só - há dezenas de outras pessoas que extraem benesses da fama dele. Numa cidade onde circulam nobres decaídos e não, gente bonita, famosos internacionais, escroques e “arrivistas”, a vida corre inconclusivamente dia e noite, e escorre entre os dedos dos “eleitos” enquanto gente normal – que não aparece em nenhum momento – vive como vivem todos em todo lugar do mundo, à sombra da fama dos “escolhidos”. E o personagem/escritor já cansou disso tudo: parte até para diálogos agressivos com pessoas que acabam sentindo-se enaltecidas por estar discutindo com ele, ainda importante.
O diretor do filme, ao escolher Roma, soube aproveitar-se da variedade da nobreza romana. Parte dela, a chamada aristocracia negra, é proveniente dos descendentes diretos dos papas de séculos atrás, cujos filhos foram beneficiados por condados e principados ainda tão válidos que raramente alguém poderá distinguir quais os de sangue e quais os de batinas. Foi assim que ele pôde abordar no filme o clero que frequenta os grandes jantares badalados, em episódios de valor discutível (o monsenhor que declama suas receitas culinárias nos jantares tão disputados para os quais se alugam convidados com sobrenomes nobres) e com personagens quase surrealistas (uma missionaria decrépita que arremata presenças e doações para longinquas caridades). A presença, a participação e o comportamento do clero faz a "aceitabilidade" de todo o resto. É quase uma perpetua absolvição. E claro,  isto só teria razão de ser em Roma., apêndice - ou o contrário do Vaticano.
É aí que entra a grande razão de ser do filme. O que acontece no filme, as festas, os bailes, as traições, as mentiras, não tem muito importância. O que importa é insuflar, sugerir que o mundo inteiro, hoje, vive à sombra da fama de outros. E não acontece só em Roma. Poderia ser em Londres (onde ainda há muitos nobres, nem tão decaídos) e em Nova Yorque ou em São Paulo onde tudo aquilo também acontece entre os Vips de diversas origens: atores, atrizes, gente de grandes fortunas, suspeitas e não, de grande projeção financeira. Os nobres de lá são os famosos daqui, socialites e colunáveis, os artistas globais, as glamourosas descendentes dos bigbrothers, os grande ricaços que vez ou outra estão à beira da falência, gente que circula nas revistas e nos noticiários. E que, afinal, tem uma aura tão pouco nobre que qualquer pessoa mediana pode imaginar de alcançar o mesmo tipo de vida.
Vi gente sair do cinema no meio da projeção. Compreensível: pois a veemência da crítica foi tão disfarçada pela superficialidade aparente de vida que foi difícil para muitos achar o caminho da verdade.







quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

RESENHA DO FILME - ALBUM DE FAMÍLIA


Título original: “August, Osage County”
Produção: USA 2013
Direção : John Wells
Cast: Meryl Streep, Julia Roberts, Juliette Lewis, Julianne Nicholson,
Ewan McGregor, Abigail Breslin, Sam Shepard

Agradecemos ao diretor John Wells por ter deixado a mão mais leve do que habitualmente, nesse dramalhão sulista muito ao gosto de um Tennessee Williams ou de um Nelson Rodrigues. Conseguiu isto, antes de mais nada, por ter levado os personagens um pouco mais frequentemente ao ar livre tirando-os do habitual e opressivo “indoor” do gênero. Casa antiga, obscura, repleta de móveis e recantos sombrios. Segredos e mentiras de uma família que mal se vê e mal se suporta.
Sobrou para Meryl Streep a carga mais pesada de abrir o tom da história, e ela o faz com a competência de sempre, apesar de alguns átimos de canastrice que, em certos momentos até pensei intencional (mas não...) Os personagens vem sendo delineados lentamente, os diálogos parecem vagos e só aos poucos começam a fazer sentido, caminhando para o final onde tudo é revelado como o passar dos tijolos de mão em mão entre pedreiros. Mentiras, fins escusos, traições, segredos: tudo embutido numa terra indígena (daí o nome Osage) onde as estirpes brancas proliferaram sem todavia lhe pertencer.
Opulent Old South. It's all there.
Filme correto, interpretes corretos, grande público aplaudindo.
Quem pareceu-me ganhar nova vida em seu estrelado é Julia Roberts: seus momentos de tensão, de confrontação, de perdão, de mágoas, de surpresas, num semblante rigoroso e introspectivo. Mais do que uma vez, no seu despojamento físico e psicológico, lembrou-me a Mona Lisa. Acho sinceramente que este foi seu grande filme, e se puder assistir, o faça para descobrir nela as qualidades que, ao meu ver, nenhum outro personagem lhe permitiu desenvolver.

RESENHA do filme: Pelos Olhos de Maisie



Título original: What Maisie knew
Produção: USA 2013
Direção: Scott Mcgehee e David Siegel
Cast: Julianne Moore, Steve Coogan, Onata Aprile


Transportar a história escrita por Henry James em 1897, para época atual, já foi um feito magistral,
tão magistral quanto o fato de Henry James ter previsto há mais de cem anos, os problemas existenciais de uma menina em litigio.
Escalar para interpretação Julianne Moore, foi surpreendente pois os diretores conseguiram tirar-lhe aquele habitual olhar estático de pacato sofrimento. Tanto ela como Steve Coogan retrataram impecavelmente o casal, cada qual ligado, movido e angustiado na perene escalada do sucesso pessoal. Se na história original esses pais tenham sido movidos só pela irresponsabilidade, na nossa era suas atitudes (ou desatitudes...) são quase normais, aceitáveis pelo mundo em que vivemos, onde alcançar a admiração alheia faz parte intrínseca do legado que pretende-se deixar aos filhos.
A pequena Onata Aprile é uma inovação na classe de interpretação infantil. Sem poder compara-lo à menina original do livro de James, o personagem criado aqui (pelos diretores e prodigiosamente obedecido pela pequena atriz) é o antidoto do que estamos acostumado a ter que aceitar em filmes envolvendo atores infantis. Onata não chora, não ri, não se estressa: apenas obedece. E olha.
A direção é leve, delicada, e só incisiva quando traz pequenos detalhes em primeiro plano. É pura observação, deixando ao espectador as reações nos momentos apropriados, reações que Maisie não tem mas anota no olhar, sem que ninguém perceba.
O filme pode não ter agradado suficientemente aos críticos que lhe atribuíram unicamente três estrelinhas, mas nem que fosse só pela direção tão cuidadosa e.....impessoal (ao ponto de não querer influenciar o espectador), ele bem mereceria mais uma.
É um filme carinhoso (carinhoso sim, até com os quatro personagens adultos), cauteloso para não conduzir ao pieguismo; é um continuo atalaiar de sentimentos contidos. E imperdível.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

UMA CARTA DE AMOR - UM CONTO

MEU AMOR,


Gosto desse nosso sexo ao despertar. Hoje, porém, não te acompanhei correndo ao chuveiro. Estou imóvel, joelhos quase no queixo, olhos fechados. O cheiro azulado de tua loção passou por mim e teu dedo indicador percorreu o desenho de minhas sobrancelhas a caminho da saída do nosso quarto.

Fiquei entre os lençóis, ainda úmida de você, numa posição estranha e aconchegante, com a sensação de um calor desconhecido, renovado.
Sim, por que foi um gesto novo. Uma coisa tão insignificante... sempre foi assim ou foi só hoje que notei?Tenho ainda teu polegar apertando a base do meu ombro esquerdo, enquanto minha axila abriga a curvatura do teu indicador, teus outros dedos esparramados às minhas costas.
Me dei conta desse novo toque num momento em que, surpreendentemente, me senti arrastada para dentro de você, como se você estivesse me engolindo para sempre.
Quando você sai de mim, você também sente que está me levando dentro do seu corpo? 
 
Hoje, eu mesma vou fazer a cama: não saberia como esquivar-me do olhar da empregada perante tantas evidências. 
 
E os meninos? Ainda vão me ver se eu fui embora dentro de você? Como vou ajudá-los a fazer a lição de casa sem inserir nos seus cadernos as frases molhadas desta carta que não vou escrever...
Queria muito que você, à noite, me perguntasse o que eu fiz o dia inteiro. Responderia que passei o dia fazendo mil coisas enquanto te escrevia essa carta que não vou escrever..
Pois para mim é difícil falar, dizer em viva voz, tudo que eu sei escrever tão bem, quando não escrevo...