terça-feira, 10 de março de 2009

CASOS IMAGINÁRIOS, SERES IMAGINÁRIOS E...AFINS

Hollywood tem por habito apreciar, divulgar, promover e -frequentemente- premiar o inaudito, o inusitado, o inimaginável, e sempre levando alguma "fabula" ao sucesso de crítica, de público e de bilheteria. Aconteceu há mil anos com "Harvey", em que Jimmy Steward, magro, alto e desengonçado, contracenava com Harvey, coelho do seu mesmo tamanho, como se fosse seu alter-ego que controlava, para melhor, suas ações e sentimentos que o personagem real, por modéstia, timidez e insegurança, tinha dificuldade em administrar. Foi grande sucesso mas não sei se premiado. Aconteceu em "Staircase to paradise" (circa 1950) em que um piloto, avião abatido no mar, após sua chegada ao paraíso é submetido a provas que, superadas a contento do julganento angelical, ganha o direito a não morrer mas naufragar numa linda praia ensolarada. Só faltaram as hawaianas a recebê-lo com colares coloridos. Na mesma linha vieram "O céu pode esperar", "Cidade dos Anjos", "O advogado do diabo", todos filmes curiosos, alguns românticos, outros focados em comportamentos sociais, mas, honra seja feita, com um pouco mais de consistência. Anos atrás, foi a vez de "Forrest Gump", aplauditíssimo e premiadíssimo, incompreensivel homenagem a um personagem sem atrativo a não ser sua infantilidade, não fosse a habilidade do diretor Zamekis de enfiar sua imagem ao lado de notórias personalidades em documentários históricos de diversas épocas políticas do país. E agora. eis "O estranho caso de Benjamin Button", com astronômicas indicações para o Oscar de 2009. Não ganhou nem a metade do almejado, mas se em linhas gerais pareceu-me um bom filme, ainda estou um tanto perplexa justamente pelo inaudito, o inusitado, o inimaginável. Pareceu-me desperdicio procurar razões, soluções e ensinamentos inúteis para situações vãs. Para que servir ao público em bandeja de prata maciça (deve ter custado uma nota só em cachês..) um problema tão improvável quando existem no mundo outros: raros, intrigantes, difíceis, interessantíssimos, mas REAIS, de inestimavel valor educativo e emocional, como - por exemplo - o do filme " O Lutador", de qualidades cinematográficas irrepreensíveis que, apesar de algumas cenas violentas, é a tocante sublimação do mea-culpa e da humildade.
Antes de sentar e escrever sobre Benjamin Buton, eu deveria ter começado por pesquisar o texto original de Scott Fitzgerad, autor da estória que inspirou o filme, mesmo que, como esclarecem as sinópsias, de forma bastante livre. Americano nascido e crescido num interior quase desolado de Minnesota, Fitzgerald sempre acariciou em seus romances o desencantos da juventude de sua época que ele mesmo e seus coetâneos chamaram de "geração perdida". Com pouco menos de trinta anos conheceu o sucesso com "Gastby", seguido por "O Último Nababo", algo como uma reflexão tardia sobre o primeiro. Dificil conceber que daquele seu estilo pudesse nascer o inusitado Benjamin Button. O que levou aquele extraordinário escritor a criar um ser imaginário tão inimaginável ? Algo na vida dele o instigou a pesquisar outras formas ou outras sequências do desenvolvimento (ou envolvimento) humano, a tentar observar, examinar e -quem sabe com certo sadismo- saborear as reações da sociedade perante uma aberração ou uma anomalia quase circense? Sem condições agora de ler e analisar o texto original, tenho certeza de que muitos espectadores nem cogitariam fazê-lo: estamos falando de filme como lazer e não de literatura.
Já diversas pessoas aludiram ao filme como uma metáfora. Esta é uma palavra de que não sou muito amiga: demasiadas vezes é usada para camuflar o incomprensível ou, pior ainda, valer-se dela para tentar valorizar a obra. O que me intriga em Benjamin é a falta de indicios de memórias e, menos ainda, de experiências. Esse elo é o que me parece faltar para que o filme seja, além de aceitável como estória, também aceitável como alerta aos que imaginariam que, ao inverter as coisas, os resultados seriam diferentes, o que dizem ser a famosa metáfora do filme. Em algum momento Benjamin deveria ter demonstrado algo a mais do que os seres que vivem aos seu redor e que tiveram um nascimeno e uma evolução absolutamente normais. Ou ele teve e eu não conseguir ver?
Se não tivermos a veleidade de confrontar o texto de Fitzgerald com o filme para desvendar esses e outros tipos de dúvidas, então de que forma dirimí-las? Quais foram as intenções do escritor? Esta simples pergunta poderia provocar um debate extremamente interessante que prescindisse das qualidades intrínseca do filme: por mais bem dirigido e interpretado que ele tenha sido, poderiamos chegar a conclusões bem elucidativas. Quem sabe até do por que ele foi preterido em favor de outra fábula, a que enquadra sonhos e ansiedades verídicas de jovens indianos em busca de uma riqueza e de uma felicidade constantemente em mãos alheias.

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