terça-feira, 10 de março de 2009

SER OU NÃO SER -- TER OU NÃO TER SERES IMAGINÁRIOS

Eu sei que ele existe, mas não consigo imaginá-lo. É o ser que vive a espreita, em algum canto de minha vida. Houve tempos em que eu me perguntava: a espreita do que? Será que a presença dele me serve para alguma coisa como serviu-me o ser imaginário que criei anteriormente e que, acoplado ao de uma colega, acabou resultando numa quase parábola com moral e tudo?
Sem precisar, passei a fechar a porta do banheiro, pois sua presença é tão real como se houvesse uma pessoa de carne e osso na minha frente. Ela não está, mas ele sim, esse ser inconsistente, ao mesmo tempo pesado e agitado. Me pergunto como é possível que ele não faça barulho.
De uns tempos para cá, noto instantes específicos - especialmente durante as refeições, em casa ou fora, quando é maior minha descontração e tranquilidade - em que parece que até os aromas e os sabores são desviados para ele como se esse ser invasivo quisesse refastelar-se como eles. Será que ele tem boca, lingua, dentes, quem nem nós? Se sim, porquê não dar-lhe um nome? Mas como dar nome a alguém que não tem forma nem rosto...
Recentemente passei a perceber que sua presença, no fim da tarde e no começo da noite, começa a esvanecer, a parecer-me um pouco mais alheia, menos interessada. Na noite passada acordei de sobressalto com a revelação: tinha certeza de que ele estaria lá fora deitado à minha porta, aguardando o dia chegar e o meu acordar. É isto: ele existe para sugar meus dias, todos os dias, um de cada vez; ele espera que eu os viva para engulir minha energia, minhas atividades em movimento, para alimentar-se delas, apropriar-se delas, deglutí-las, saboreá-las, digerí-las.
Essa espreita que tanto me incomodava, transformou-se em algo positivo: tenho todo o interesse em alimentá-lo esse ser imaginário: quanto mais energia eu produza, quando mais ações, mais movimentos, mais realizações ele consumir, mais dias terei eu para voltar a produzi-los para que eu mesma possa saborear minhas novas vitórias.
Contra a inutilidade de que eu o acusava e a invasão de privacidade que lhe atribuia, agora me beneficio de sua presença: é mais um desafio contra o tempo e a favor daquelas minhas parcas, mas sempre muito minhas realizações.
Bem-vindo seja.

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